Amigos da Pirataria Alada....meu respeitoso ....Olá
Em tempos de pandemia resolvi me recolher e meditar guardando as boas recordações. Uma das que me recordo é sobre o pouso num submarino, do meu amigo milico carrancudo Comt Barreira , agora publicado pela
Revista Marítima Brasileira
( RMB V.140 n10/12 outubro/dezembro 2020,
comprovado pela foto que chegou ao meu conhecimento depois de muitos anos, deixando de ser um segredo...portanto bem na hora de ser divulgado nesse espaço piratesco.
Assim contou meu amigo :
Idos de 1983 ou 1984, já não me recordo. Estávamos embarcados na Fragata Constituição (F42). No terceiro dia da operação, recebemos uma chamada de emergência do Submarino Riachuelo (1*), que se encontrava a 80 MN (2*) da costa, com um tripulante necessitando de remoção médica imediata. Como único helicóptero (Lynx) com capacidade de resgate por meio do hoist (3*), fomos acionados para o resgate.
Cumprindo nosso revezamento entre os pilotos, do 3° DAE (Destacamento Aéreo Embarcado), decolamos com o Lima (4*) nos comandos e eu de copiloto (2P). Depois de alguns minutos, encontramos o submarino na superfície nos aguardando. Fizemos nossa aproximação e mantivemos o Lynx pairado a fim de baixar o hoist.
- Chefe.... o hoist não funciona ..
era o fiel, dando a péssima notícia pelo
interfone. Lima e eu nos entreolhamos surpresos...
O que fazer? Era esta a expressão nos nossos olhares. Eu, COA (comandante operativo da aeronave); o Lima, comandante do 3o DAE, como mais antigo. Sem discutir a situação, me antecipei e propus ao Lima (4*):
− Se formos embora e abortarmos nossa
missão, o “cara” pode morrer. A única alternativa será corrermos o risco de
tentar pousar no submarino e recolher o “cara”, arriscando aspirar água salgada,
apagando os motores e crasheando no submarino, com todas as
consequências disso. Se dependesse só de mim, eu arriscaria, o que você acha?
− Chama o comandante do submarino no rádio
e passa nossa situação e nossa intenção e pergunta se ele está de acordo.
O Lima me respondeu com rapidez, dando o
seu “de acordo”, enquanto mentalmente se preparava arremetendo, e eu mantinha o
seguinte diálogo pelo rádio:
− Riachuelo, Falcão 25. Solicito comandante
à fonia.
− Falcão 25, Riachuelo. Comandante Raffo (5*) na fonia.
− Riachuelo,
Falcão 25 com hoist inoperante. Única alternativa para resgate pouso “leve
nos esquis” com toque no convés. Solicito seu “de acordo”.
Alguns segundos se passaram até a
resposta:
− Falcão 25, Riachuelo. Afirmativo! Aguarde “luz verde” para iniciar aproximação.
− Falcão 25. Ciente. Solicito máxima
velocidade na superfície. Vento relativo 025° por
bombordo. Aproximação gaiuta da popa.
− Riachuelo.
Ciente.
Alguns minutos se passaram. Em total
silencio na cabine, olhei para trás e percebi que o fiel havia recolhido o hoist
e se preparava na melhor posição para receber a maca que seria puxada pela
gaiuta. Exigiria muita força para sozinho realizar com sucesso o nosso plano.
Aproveitei a curta espera para avaliar o risco que estávamos assumindo. Quanto à
habilidade do Lima (ainda com pouco tempo de esquadrão) para executar o pouso,
não havia nenhum tipo de preocupação, porque me lembrei que ele havia sido meu
instrutor no curso de formação no HI-1 exatamente no voo de instrução de pouso
em áreas restritas, quando me ensinou a executar a manobra nas pedras existentes
na ponta extrema da região de São Pedro Da Aldeia, conhecida por nós como
“Ponta do Roberto Marinho”. Além de meu amigo, o Lima, tal qual o Russo (6*), era um dos meus “gurus” na arte de dominar um
“ovo voador”. Esse não seria o risco, mas sim a aspiração de água salgada dos
potentes motores do Lynx na proximidade do mar. Caso os motores apagassem ou
fosse perdida a visibilidade, seria muito difícil evitar a perda de controle da
aeronave, ocasionando incalculáveis danos materiais e humanos. Além disso,
estaríamos contrariando todas as normas de segurança vigentes, nos expondo a
punições pesadas, mesmo que tudo corresse bem. Qual o preço de uma vida humana?
Esta foi a pergunta na minha mente, que não consegui responder quando o rádio
da aeronave recebeu a mensagem:
− Falcão 25, Riachuelo. Papa. Rumo 270. Velocidade 8 nós. Vento relativo no
convés 025 BB. Luz verde para aproximação gaiuta popa. Bom pouso.
− Falcão 25. Na final.
O Lima aproximou lentamente. Quando
baixamos e comecei a sentir os resultados da água do mar no para-brisas pelo
efeito do downwash, acionei o wiper na máxima velocidade e abri a
minha porta para ver a posição das rodas sobre o estreito convés do submarino.
O ângulo que aproximamos permitiu que o trem de pouso se posicionasse
exatamente no limite das bordas do convés. Eu não olhava para o Lima e só
transmitia para ele.
− Rodas em posição. Mantenha.
Dentro da aeronave, cada um dos três
tripulantes executava suas funções, confiando na eficiência da equipe, sem nos
olharmos. Não me lembro exatamente quanto tempo durou essa situação. Para mim,
pareceu uma eternidade, mas a verdade é que o tempo foi comparável a uma troca
de pneus na Fórmula 1. Então ouvi no interfone:
− Paciente a bordo. Livre decolagem!
Era o fiel dando o “pronto” da parte dele.
Fechei a porta e reparei que o Lima estava com a visão degradada pela água no
para-brisas, mesmo com o esforço do nosso wiper em velocidade máxima.
Consultei todos os instrumentos e reparei que os de temperatura e pressão de
óleo dos motores variavam, dependendo da quantidade de água salgada que era
aspirada, mas mesmo assim permaneceram firmes, oferecendo potência para salvar
mais uma vida. Imaginei os motores como se fossem o coração daquela máquina, com
seu sangue sendo contaminado. Essa máquina se chama Lince, e nos seus
tripulantes corre nas veias algo como “sangue do Lince”.
− Riachuelo,
Falcão 25 decolando. Faina executada com sucesso. Bom trabalho.
− Falcão 25, Riachuelo. Obrigado. Bravo Zulu.
O Lima decolou, e eu transmiti para a
Esquadra quando chegamos no alcance do rádio:
− Fragata Constituição, Falcão 25. Tripulante Submarino Riachuelo
a bordo. Quarenta minutos para pouso Hospital Marcilio Dias. Solicito
retransmitir.
Deixamos nossa carga viva no hospital e
voltamos para bordo da Constituição. Achamos melhor não contar os
detalhes da missão. O importante era que ela havia sido cumprida e que o sargento
estava a salvo. Encerrada a operação, a Esquadra se dirigiu ao porto de Santos.
Era uma sexta-feira à tarde quando a
Esquadra atracou, e, como bons marinheiros, nos preparávamos para baixar terra
e comemorarmos no Bar da Praia mais uma missão cumprida com eficiência. O 3o
DAE tinha motivos mais que suficientes, e convidamos o fiel
da aeronave para se juntar a nós três, Lima, Russo e eu, a equipe que voava
“por música”. Quando já estávamos prontos, só aguardando o apito que anunciaria
a autorização para “baixar terra”, soou o fonoclama do navio:
− Constituição, oficiais à praça-d’armas!
Nos dirigimos para lá ressabiados. Reunião
de oficiais na hora de baixar terra não é uma coisa boa. Ao chegarmos, percebi
que todos os oficiais estavam curiosos, inclusive o Comandante Dumont (7*), comandante da fragata,
que disse:
− Não sei qual é a razão, mas o Comandante
Raffo, do Submarino Riachuelo, pediu
que eu reunisse os oficiais antes que baixem terra.
Eu olhei para o Lima e percebi o mesmo
receio que eu senti. O Comandante Raffo entrou e, sem maiores delongas, disse:
− Pedi essa reunião para compartilhar algo
que os senhores não sabem. Ontem ocorreu algo inusitado, e sem precedentes, que
eu saiba.
E contou em detalhes o que havia ocorrido
no nosso resgate com pouso no submarino. Ao final, completou:
− Eu gostaria de oficializar meu
agradecimento de outra forma, no entanto, pelo fato ter sido totalmente
irregular, tenho receio que as autoridades entendam de forma diferente. Assim
sendo, pediria que todos aqui mantivessem essa história restrita a essas quatro
anteparas e que os tenentes Albuquerque Lima e Barreira aceitassem esses
brindes como agradecimento e reconhecimento de toda a tripulação do Submarino Riachuelo
e que, quando olharem para este brinde, lembrem que vocês ajudaram a salvar uma
vida.
Ele se aproximou e nos entregou uma caneta
esferográfica de plástico com a inscrição Submarino "Riachuelo”. Depois agradeceu a todos, virou e foi embora. Um certo
silêncio pairou por algum momento até que todos nos cumprimentaram e saíram.
Nós, do 3o DAE, fomos para o Bar da Praia “tomar todas”. A
caneta do Riachuelo se juntou a tantos outros brindes, mas, todas as
vezes que a utilizo, sinto que ela escreve mais bonito.
(1*) Hoje submarino-museu, atracado no
Espaço Cultural da Marinha, Rio de Janeiro (RJ).
(2*) MN − Milhas náuticas.
(3*) Equipamento hidráulico de içamento
por cabo de aço, comandado eletricamente da cabine e operado pelo “fiel” da
aeronave.
(4*) Contra-Almirante (Refo)
Mauro França de Albuquerque Lima, então capitão de corveta.
(5*) O então Capitão de Fragata Carlos
Emilio Raffo Junior.
(6*) Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Mario Cezar Santos Postarek.
(7*) O então Capitão de Mar e Guerra
Paulo Augusto Garcia Dumont.
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3° DAE
Aos meus amigos Lima e Postarek, o meu mais profundo reconhecimento profissional e a minha gratidão pela verdadeira amizade.
Aos Almirantes Dumont e Raffo, a minha admiração e meu respeito pelo profissionalismo.
O Submarino Riachuelo , depois de anos de atividade operativa teve o merecido descanso de um guerreiro e hoje é um "museu" aberto a visitação publica no cais do Primeiro Distrito Naval no Rio de Janeiro
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