quarta-feira, 12 de julho de 2023

Pirata.... e o Espadim do Almirante


 Amigos da Pirataria Alado.., Olá          

No momento que a Turma Aspirante Conde , comemora 50 anos de recebimento do desejado "ESPADIM" de Aspirante da Marinha do Brasil, o Pirata tem a honra de reproduzir mais um artigo da centenária Revista Marítima Brasileira (V.143 n.04/06 abril/junho 2023), na coluna "O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL", de autoria do meu amigo Comandante Barreira (aquele orgulhoso milico naval).

Assim sendo curtam mais esta edição da RMB

O Espadim do Almirante

 Essa história começa em 20 de Janeiro de 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, por decreto do Presidente Getúlio Vargas.  Em maio do mesmo ano , o Presidente assinou um novo decreto criando a denominação “ Força Aérea Brasileira (FAB) dando individualidade à Força (segundo o próprio “site” da Força ).  O Brasil vivia tempos da Segunda Guerra Mundial.

De acordo com o decreto presidencial, entre outras providências, a Marinha deveria transferir . militares , aviões e instalações para Aeronáutica , com a denominação de Forças Aéreas  Nacionais .

Acredito que nessa época , o  Aviador Naval João Francisco Milanez Filho foi transferido para a FAB , se tornando, portanto , um oficial da Aeronáutica. Era um oficial brilhante , além de aviador , se formou  engenheiro aeronáutico diplomado pelo MIT (Massachusset Institutts Of Tecnology, dos EEUU) . A brilhante carreira o levou a ser promovido a Brigadeiro , depois de várias outras funções exercidas como Coronel , sendo nomeado em dezembro de 1958 , Diretor do Parque de Aeronáutica de São Paulo (PASP , hoje PAMA),localizado no Campo de Marte na cidade de São Paulo.

O Brigadeiro era o Chefe do meu pai, 1° Tenente ( especialista em motores) da FAB Jose Rosa BATISTA. Eu havia nascido em 1954 no Hospital do PASP ( hoje conhecido como HASP – Hospital da Aeronáutica em São Paulo ) . Contava meu pai que no dia do meu nascimento, recebi a visita do então Coronel Milanez , demonstrando afeto e consideração pelo Tenente Batista seu subordinado. Nessa época o então Coronel tinha um filho na Escola Naval , que se formaria em 1956.

Meus pais moravam na Vila Militar do PASP , e eu passei a ser chamado de “Batistinha” (diminutivo do nome de guerra do meu pai ) . Como criança passava muito tempo brincando dentro de grandes aeronaves da época ( B-17 Fortalezas Voadoras , B-25 e 26, Catalinas e Albatrozes, além dos  C-47 Douglas e C-60 Lodestar , aeronaves de transporte e cargueiros, tanto na área destinada as “sucatas”, quanto no hangar 20 onde meu pai chefiava a divisão de manutenção de primeira linha .

Nessa época , minha mãe (carioca) aproveitava as constantes viagens do C-60 Lodestar do PASP (a serviço) ao Rio para pegar uma carona para visitar a nossa família Barreira , sediada no Rio de Janeiro. Eu , com 2 ou 3 anos acompanhava minha mãe e por vezes admirava o “espadim “ de um dos passageiros que estava fardado de branco ( diferente dos outros militares de “caqui” , cor do uniforme da FAB , na época). Este passageiro de uniforme branco, era o Aspirante Carlos Alberto do Valle Milanez (filho do Coronel Milanez) que cursava a Escola Naval e aproveitava as caronas da FAB para visitar os pais em São Paulo nos finais de semana.

Me lembro de um dia ( provavelmente em 1958/9, que havia alguma comemoração que envolveria uma demonstração aérea feita pela novidade aérea da época , o avião a jato! Os oficiais se reuniram no gramado adjacente ao hangar 20 do PASP. Havia algumas cadeiras destinadas as autoridades no gramado. Uma delas era a do Diretor Brigadeiro Milanez que se acomodou para desfrutar daquele momento histórico , onde o PASP receberia o primeiro jato F-8 Gloster Meteor, para inspeções de manutenção. Eu, garoto de 4/5 anos fiquei por perto observando toda movimentação (meio escondido entre as arvores).A ansiedade de todos era grande , olhando o céu na direção do Centro da cidade de São Paulo onde se destacava a torre  do maior prédio, o do Banco do Estado de São Paulo, no horizonte. Era um dia claro ensolarado que dificultava a visualização do céu quando um brilho surgiu muito baixo sobre o telhado da Sede do Aeroclube que compartilhava a Pista do Campo de Marte. O brilho , era o reflexo do sol na estrutura prateada do F-8 que vinha rasante em nossa direção. A emoção foi rapidamente transformada em susto quando ouvimos  o estrondo tardio das turbinas após a passagem do Gloster. O Brigadeiro Milanez sentado numa cadeira mal apoiada na grama, com o susto caiu de costas , provocando uma grande correria de todos os presentes na proximidade . Não houve maiores danos , a não ser as consequências disciplinares ao piloto do F-8 , Capitão Vahia, depois de pousar no PASP.

O tempo passou . Eu, o antigo “Batistinha” , me tornei o Comandante Barreira Aviador Naval. O antigo Aspirante Milanez tinha se tornado o Almirante Milanez , Comandante da Força de Fragatas da Marinha, nos anos 90, depois de ter comandado a Fragata Niterói de 1983 a 85. Durante este período tivemos a oportunidade de conversarmos sobre os nossos pais (da FAB) nos tempos de PASP . Eu Capitão Tenente comandava alguns DAEs (Destacamento Aéreo Embarcado) pilotando um LYNX compondo o sistema de armas da Fragata Niterói, sob comando do CMG Milanez.

Já nos anos 90 uma coincidência.

A Fragata Niterói nos uniu novamente . Era uma Força Tarefa operativa ( não me lembro qual delas) . Eu comandava o DAE  e o Almirante Milanez era o Comandante da Força Tarefa , também embarcado com todo seu Estado Maior, na mesma Fragata Niterói. Foi uma Operação muito movimentada onde tudo havia corrido bem no “freeplay” de encerramento sob comando do Almirante, com a participação do Lynx dando o golpe fatal na Força do figurativo inimigo naquela noite , véspera de atracação no Rio de Janeiro. Era momento de comemoração e despedida dos embarcados. O Comandante do navio , programou um coquetel na Praça D’Armas reunindo toda oficialidade embarcada. Fez o discurso inicial enaltecendo o sucesso alcançado , como de praxe, passando a palavra ao mais antigo , Contra Almirante Milanez, que iniciou dizendo sob o olhar atento de toda oficialidade presente :

“- Prezado Comandante da Fragata , meus prezados oficiais de Estado Maior e toda tripulação da Fragata Niterói. Muito obrigado pelos dias a bordo deste navio que me traz gratas recordações como ex Comandante. Parabéns a todos pela eficiência.”

Visivelmente emocionado o Almirante continuou após um breve respiro.

“ Esses dias a bordo me fizeram lembrar meu falecido pai, Brigadeiro Milanez , ex Aviador Naval, ao reencontrar o “Batistinha”, aquele garoto que perambulava pelos corredores do Lodestar do PASP que por vezes eu aproveitava a carona voltando da Escola Naval , nos anos 50 . O “Batistinha” adorava o brilho do meu espadim e por vezes mantínhamos uma “conversação” sobre o assunto. “

Os ouvintes da Praça D’Armas se entreolharam perguntando “quem seria o Batistinha ?”, menos eu .

O Almirante continuou com ar emocionado,

“ Parabéns ao DAE do HA-1 embarcado , comandado pelo “Batistinha”, hoje Comandante Barreira.

Um brinde a Marinha ,  que apesar de tudo , permaneceu operando uma Aviação Naval , irmanada aos nossos fraternos companheiros da FAB. “

Brinde realizado. Descontração estabelecida na Praça D’Armas , cumprimentos efusivamente realizados entre todos até que o Almirante, sob respeitoso olhar de todos , se retirou para um merecido descanso.

Mal a porta da Praça D’Armas se fechou ,  todos os olhares se dirigiram a mim!

Não me lembro qual dos oficiais me dirigiu a pergunta que pairava no ar :

“ quer dizer Batistinha...ops Comandante Barreira , que você já admirava “espadim de Almirante “ desde pequeno ?

Isso sim é investir desde cedo na carreira !!!!”

A gargalhada foi geral ....e gera frutos até hoje (as vezes).

 

CMG ( Ref ) José Luiz BARREIRA Batista

 

PS:

1-Meu profundo respeito a memória do Falecido Almirante Milanez , um dos inspiradores da carreira que trilhei, da qual,  muito me orgulho.

2- Meu particular agradecimento ao CMG (Ref) Fernando Antônio Borges Fortes de Athayde Boher ( iniciais FABFAB), meu consultor para  assuntos relativos a FAB (entre outros), meu amigo e companheiro de GFRHF ( Grupo de Fiscalização e Recebimento de Helicópteros na França ) além de filho e irmão de oficiais da FAB

3- Homenagem à minha turma de Marinha, representada pela ATAC – Associação da Turma Aspirante Conde ,que completa 50 anos de recebimento do nosso honroso espadim 



Há 50 anos atrás
(quando tudo começou)


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