Amigos da Pirata Alada
Surpreso com o resultado do encontro futebolístico de 05 de setembro de 2021,envolvendo Britanicos, Brasucas e Hermanos eu não poderia deixar de lembrar de outro dia importante quanto a:
A surpresa dos “Hermanos"
1982 foi um ano que testemunhou uma grande agitação militar
no continente sul-americano.
A Argentina, vivia sob um regime militar comandado pelo
General Galtieri com uma economia em decadência causando um descontentamento de
sua população. Essa insatisfação politica , incentivou seu governante militar a
desencadear intempestivamente uma ação militar de invasão ao território das
ilhas Falklands , pertencentes a Grã-Bretanha ,
reivindicado historicamente pela Argentina sob o nome de Ilhas Malvinas
O Brasil democrático, presidido pelo General João
Figueiredo, desfrutava de uma situação econômica confortável surfando na onda
do “milagre brasileiro”, reconhecido internacionalmente pelo desenvolvimento
intenso alcançado na última década.
Esse desenvolvimento econômico permitiu investimentos
governamentais em todas as áreas , e naturalmente na Defesa que se traduziu na
aquisição e construção de equipamentos modernos e treinamento apropriado para
tornar nossas Forças Armadas , respeitadas em todo o mundo, particularmente na
nossa região de interesse , a América do Sul com sua vasta costa marítima,
principalmente para nós brasileiros,
banhada pelo Atlântico Sul.
No que diz respeito particularmente a Marinha, as novas
fragatas classe Niterói, 4 adquiridas a Inglaterra chegavam ao Brasil enquanto
outras 2 eram montadas no Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro. Essas Fragatas
eram o que de mais moderno existia no mercado bélico naval da época. Entre
vários equipamentos e armamentos modernos ( no estado da arte), as fragatas
incorporavam a aeronave SAH-11 Lynx da fabricante Westland da Inglaterra.
O Lynx era ainda quase um projeto recém-lançado sendo que, na época, pouquíssimos países o operavam. Brasil e a Argentina ,eram dois deles. Como todo projeto novo e complexo , a aeronave apresentava problemas que seriam corrigidos ao longo do tempo pela experiencia de horas de voo. O ponto critico eram os potentes motores GEM 2 Rolls Royce ingleses , desenvolvidos, exclusivamente para o Lynx. Os “apagamentos “ de motores , ocorridos em voo , criaram uma série de problemas de manutenção e logística para o recém-criado HA-1 (Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque Anti-Submarino).
Na Argentina, pós invasão das ilhas Falklands, então
rebatizada de Ilhas Malvinas, havia um momentâneo sentimento nacionalista de
vitória que não duraria muito e criaria uma situação complicada para o Brasil ,
país aliado aos dois envolvidos : Argentina e Grã - Bretanha .
No conflito sangrento que se desenvolveu nos meses
seguintes, os Lynx de ambos os lados participaram. Para os Argentinos
(clientes), os problemas se avolumaram
impedindo sua utilização contra a Grã Bretanha (fabricante e agora
inimiga). Para esta, foi o batismo de fogo com sucesso de sua nova arma aérea ,
o LYNX .
Encerrada a guerra , com incontestável vitória Britânica ,
as Forças voltaram aos seus lares de formas destintas. Britânicos recebidos
como heróis por Margareth Thatcher e
argentinos , cabisbaixos e enlutados
pela trágica perda do Cruzador Belgrano, por um derrotado Galtieri.
No Brasil, pós-guerra, as autoridades navais lidavam com
toda situação diplomática complicada gerada pelo confronto entre nossos aliados
e decidiram pela participação na Operação Fraterno IV, anteriormente programada
,que se realizaria em águas argentinas nos meses de outubro/novembro daquele
ano. No GT Brasileiro, entre outros, foi escalada a Fragata Independência
(F-44) , equipada com seu Lynx orgânico do HA-1. Para o HA-1 seria a prova
final de um período de reformulação administrativa , alterações técnicas na
aeronave e logísticas no Departamento de Manutenção do Esquadrão que exigiram
cerca de 6 meses de inatividade operativa. O sistema de DAE (Destacamento Aéreo
Embarcado) foi implantado pelo CF Chrockatt fixando tripulantes e aeronaves
visando um maior controle , administrativo, operativo e logístico .
O 3°DAE embarcou na Independência , com o Falcão 25 e um motor GEM 2 sobressalente , modificado e atualizado, pronto para o caso
de qualquer problema já que seria o primeiro embarque após longo período de
inatividade e mudanças no Esquadrão.
Atracamos em Puerto Belgrano em Bahia Blanca sede da Armada Argentina. Tivemos uma sóbria e agradecida recepção por parte dos “Hermanos” pelo apoio no difícil momento que viviam.
Durante o coquetel de recepção no Clube dos oficiais , nós do 3°DAE (o DAE que voava por música) Lima , Russo e este Pirata, que vos fala conhecemos, um Capitan de Navio , dentista ( “saca moelas” segundo jargão argentino ) que nos convidou a sua residência. La conversamos muito sobre a guerra e ele nos levou por um “tour” em Bahia Blanca. Ficou claro para nós que a Armada Argentina (nossa eterna adversaria estratégica no Atlântico Sul) estava emocional e materialmente, debilitada.
A Operação Fraterno IV iniciou-se no dia seguinte com navios brasileiros e argentinos. No último dia da Operação o Navio Aeródromo ARA 25 de Mayo se incorporou ao Grupo Tarefa quando então faríamos a entrada no Rio da Prata , no dia seguinte atracando em Buenos Aires. O sol já estava se pondo quando o Russo nos comandos e eu de copiloto decolamos para um voo de “Check” pós inspeção de 100 hrs que acabara de ser realizada a bordo. Fazia muito frio naquela tarde o que nos obrigou a voar vestidos com o macacão emborrachado anti exposição térmica , caso tivéssemos que pousar na água gelada em emergência.
O voo ocorria sem problemas até que resolvemos treinar uma
manobra operativa um tanto radical conhecida como “wingover”. O Russo iniciou a
manobra e no seu ponto mais critico quando a aeronave perde sustentação com o
nariz apontado para o céu ......soou o alarme “pipipipipi” e acendeu o “ENG
OUT” em vermelho no painel.
Havíamos perdido o motor 1 !!
O Russo manobrou com precisão , apertou o pedal direito
girando 180°no eixo vertical no ar , arriou o coletivo diminuindo a potência e
apontando o nariz do Lynx para o mar....gelado, 500 pés abaixo.
Imediatamente entrei na fonia :
- Independência , Falcão 25.... MAYDAY ...MAYDAY...MAYDAY
... perda de motor solicito luz verde para pouso mono!
- Falcão 25 , Independência ciente , navio se preparando
aguarde luz verde.
Nada mais foi dito . sabíamos que a fragata faria todo o necessário para nos receber nas melhores condições para a situação.
Todos os navios participantes ouviram nossa mensagem e se
mantiveram calados e todos se preparando para um resgate no mar , caso isso
fosse necessário.
Enquanto o Russo manobrava com calma tentando ganhar
velocidade para sustentação translacional economizando potência do único motor
ainda vivo, eu olhava para o mar agitado a minha frente , se aproximando rapidamente
, já memorizando o procedimento de escape de aeronave afundando e mentalmente
torcendo para o macacão anti exposição, me aquecesse naquele mar gelado que
sorria sarcasticamente para mim. NETUNO não faria isso comigo...o SANGUE do
LINCE não permitiria pensei calado .
Me senti aliviado quando percebi que o Russo, magistralmente,
iniciou a recuperação com o cíclico diminuindo nosso afundamento radical de
cara para o mar . A velocidade e o ar frio nos proporcionavam uma boa sustentação
translacional , só faltava que nosso potente e único , GEM 2 modificado ainda
em funcionamento, fornecesse o resto de sustentação necessária para eu não me
molhar . Ele forneceu , tratado com todo carinho pelo Russo.
Já mais tranquilo , mesmo rente ao mar dei um aceno para NETUNO e me concentrei no regresso ao navio mãe. O ARA 25 de Mayo nos ofereceu sua grande pista para o nosso pouso em emergência seguro. Agradeci gentilmente quando ouvi pela fonia.
- Falcão 25, Independência ... rumo 170 veloc 32 ...vento
relativo 030 BB ....com 40 nós... luz verde para recebimento mono.
-Independência , Falcão 25 ....na final.
Pousamos tranquilos sem fortes emoções. O forte vento relativo associado a fria temperatura do ar permitiram uma sustentação excelente para o pouso suaveNos juntamos ao nosso chefe do DAE CT Alpha Lima para darmos
detalhes para o relatório de incidente aeronáutico que deveria naturalmente ser
emitido. Nesse momento o imediato do navio nos, cumprimentou e nos convidou a Câmara do Comandante
.
O , então Comandante Mike Charlie , com toda a tranquilidade e
experiência que lhe é peculiar até hoje , cumprimentou a todos pela manobra e
sem muitas delongas perguntou:
- Quando vocês pretendem trocar o motor ?
Todos na sala sabiam da existência de um motor sobressalente
a bordo , então o Lima , chefe do DAE respondeu:
- Comandante, a nossa intenção é fazer a troca amanhã
logo após a atracação no porto em Buenos Aires , no convés de voo sem o balanço do mar no estreito hangar do
helicóptero e já com luz natural depois que amanhecer .
O Comandante , com tranquilidade ouviu e nos
fez uma proposta desafiadora. Depois de uma rápida explanação sobre o momento
estratégico que vivíamos, quanto ao estado de espírito vigente dos militares
argentinos. Ele pediu que considerássemos a possibilidade de começarmos
imediatamente a troca do motor , mesmo durante a noite , dentro do hangar e com
o natural balanço do mar. Concluiu que se fosse possível e se obtivéssemos
sucesso, o efeito estratégico junto aos nossos “Hermanos” seria enorme.
Nós do 3° DAE nos entreolhamos surpresos e mesmo sem trocarmos nenhuma palavra
concordamos com a resposta do Lima :
- Comandante vamos tentar .
Pedimos licença e nos retiramos.
Nos reunimos com as praças de manutenção quando o Lima
depois das explicações necessárias, determinou :
- Mãos à obra!
A equipe de praças imediatamente começou a preparar a faina.
Retiraram as pás dobradas da aeronave hangarada. Retiraram o motor novo do container.
Soltaram o motor avariado da estrutura equilibrando pendurado num aparelho de
içamento no teto do hangar devido ao balanço do mar. Fizeram a troca durante a
madrugada sempre com um de nós oficiais supervisionando e auxiliando no que
fosse possível. O Russo e eu tínhamos que nos revezar tendo algumas horas de
sono. Teríamos que fazer um voo de teste do motor assim que estivesse
instalado. As 6 horas da manhã já com sol nascendo na foz do Rio da Prata em
águas uruguaias , o Lima deu o “pronto” da troca do motor ao Comandante Mike Charlie
, com uma ressalva:
-Precisamos fazer um voo teste de potência e vazamentos
para considerar a aeronave pronta. Estamos em espaço aéreo uruguaio e para
tanto precisamos de autorização para decolar nesta posição.
O Comandante Mike Charlie ouviu e , sem muita conversa determinou
ao Imediato que entrasse em contato com
o Adido Naval brasileiro no Uruguai e obtivesse a autorização. A nós,
determinou que estivéssemos prontos para decolar a qualquer momento.
Eram 7 e 15 no meu relógio, quando da cabine, ao lado do
Russo transmiti :
- Aeroporto de Carrasco, Aeronave da Marinha do Brasil
N-3025 pousada na Fragata Independência , no Rio da Prata no traves de Montevideo
com autorização de voo de 30 minutos mantendo máximo de 500 pés... solicito
acionamento .
- N-3025, Aeroporto de Carrasco , acionamento autorizado
, chame para decolagem .
Decolamos , testamos tudo, pousamos 30 minutos depois e não havia nenhum vazamento. A faina tinha sido perfeita, cumprimentamos toda equipe e fomos cumprimentados por todos do navio, quando o Comandante Mike Charlie transmitiu orgulhoso para toda Foça Tarefa da Fraterno IV :
- FT Fraterno , Fragata Independência ... FALCÃO 25 ....PAPA OSCAR !
Atracamos na Dársena Norte do Puerto Madero em Buenos Aires num dia lindo. No cais muitos
familiares dos brasileiros aguardavam para um final se semana agradável em
terras portenhas quando um grupo de oficiais argentinos fardados subiu a
prancha da Independência e se apresentou no portaló. Eles queriam conversar com
os Aviadores do navio. Fomos chamados e amigavelmente os convidamos ao convés
de voo depois das apresentações formais ao Imediato e ao Comandante .
Os argentinos de várias especialidades, tripulantes de
vários navios só queriam saber uma coisa:
“Como nós fizemos para colocar o nosso Lynx em condições de
voo em menos de 8 horas , no mar e de madrugada” ... e o Lima respondeu:
- Não foi nada demais ... já estamos acostumados a operar
Lynx . Fazemos isso sempre.
O Comandante Mike Charlie acertou na mosca com seu pensamento estratégico.