segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Pirata....e a surpresa dos Hermanos

 

Amigos da Pirata Alada

Surpreso com o resultado do encontro futebolístico de 05 de setembro de 2021,envolvendo Britanicos, Brasucas e Hermanos eu não poderia deixar de lembrar de outro dia importante quanto a:
  


 A surpresa dos “Hermanos"

 

1982 foi um ano que testemunhou uma grande agitação militar no continente sul-americano.

A Argentina, vivia sob um regime militar comandado pelo General Galtieri com uma economia em decadência causando um descontentamento de sua população. Essa insatisfação politica , incentivou seu governante militar a desencadear intempestivamente uma ação militar de invasão ao território das ilhas Falklands , pertencentes a Grã-Bretanha ,  reivindicado historicamente pela Argentina sob o nome de Ilhas Malvinas  

O Brasil democrático, presidido pelo General João Figueiredo, desfrutava de uma situação econômica confortável surfando na onda do “milagre brasileiro”, reconhecido internacionalmente pelo desenvolvimento intenso alcançado na última década.

Esse desenvolvimento econômico permitiu investimentos governamentais em todas as áreas , e naturalmente na Defesa que se traduziu na aquisição e construção de equipamentos modernos e treinamento apropriado para tornar nossas Forças Armadas , respeitadas em todo o mundo, particularmente na nossa região de interesse , a América do Sul com sua vasta costa marítima, principalmente  para nós brasileiros, banhada pelo Atlântico Sul.


No que diz respeito particularmente a Marinha, as novas fragatas classe Niterói, 4 adquiridas a Inglaterra chegavam ao Brasil enquanto outras 2 eram montadas no Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro. Essas Fragatas eram o que de mais moderno existia no mercado bélico naval da época. Entre vários equipamentos e armamentos modernos ( no estado da arte), as fragatas incorporavam a aeronave SAH-11 Lynx da fabricante Westland da Inglaterra.


 O Lynx era ainda quase um projeto recém-lançado sendo que, na época, pouquíssimos países o operavam. Brasil e a Argentina ,eram dois deles. Como todo projeto novo e complexo , a aeronave apresentava problemas que seriam corrigidos ao longo do tempo pela experiencia de horas de voo. O ponto critico eram os potentes motores GEM 2 Rolls Royce ingleses , desenvolvidos, exclusivamente para o Lynx. Os “apagamentos “ de motores , ocorridos em voo , criaram uma série de problemas de manutenção e logística para o recém-criado HA-1 (Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque Anti-Submarino).

Na Argentina, pós invasão das ilhas Falklands, então rebatizada de Ilhas Malvinas, havia um momentâneo sentimento nacionalista de vitória que não duraria muito e criaria uma situação complicada para o Brasil , país aliado aos dois envolvidos : Argentina e Grã - Bretanha .

No conflito sangrento que se desenvolveu nos meses seguintes, os Lynx de ambos os lados participaram. Para os Argentinos (clientes), os problemas se avolumaram  impedindo sua utilização contra a Grã Bretanha (fabricante e agora inimiga). Para esta, foi o batismo de fogo com sucesso de sua nova arma aérea , o LYNX .

Encerrada a guerra , com incontestável vitória Britânica , as Forças voltaram aos seus lares de formas destintas. Britânicos recebidos como heróis por Margareth Thatcher  e argentinos , cabisbaixos e  enlutados pela trágica perda do Cruzador Belgrano, por um derrotado Galtieri.

No Brasil, pós-guerra, as autoridades navais lidavam com toda situação diplomática complicada gerada pelo confronto entre nossos aliados e decidiram pela participação na Operação Fraterno IV, anteriormente programada ,que se realizaria em águas argentinas nos meses de outubro/novembro daquele ano. No GT Brasileiro, entre outros, foi escalada a Fragata Independência (F-44) , equipada com seu Lynx orgânico do HA-1. Para o HA-1 seria a prova final de um período de reformulação administrativa , alterações técnicas na aeronave e logísticas no Departamento de Manutenção do Esquadrão que exigiram cerca de 6 meses de inatividade operativa. O sistema de DAE (Destacamento Aéreo Embarcado) foi implantado pelo CF Chrockatt fixando tripulantes e aeronaves visando um maior controle , administrativo, operativo e logístico .

O 3°DAE embarcou na Independência , com o Falcão 25  e um motor GEM 2 sobressalente ,  modificado e atualizado, pronto para o caso de qualquer problema já que seria o primeiro embarque após longo período de inatividade e mudanças no Esquadrão.

Atracamos em Puerto Belgrano em Bahia Blanca sede da Armada Argentina. Tivemos uma sóbria e agradecida recepção por parte dos “Hermanos” pelo apoio no difícil momento que viviam. 


Durante o coquetel de recepção no Clube dos oficiais , nós do 3°DAE (o DAE que voava por música) Lima , Russo e este Pirata, que vos fala conhecemos, um Capitan de Navio , dentista ( “saca moelas” segundo jargão argentino ) que nos convidou a sua residência. La conversamos muito sobre a guerra e ele nos levou por um “tour” em Bahia Blanca. Ficou claro para nós que a Armada Argentina (nossa eterna adversaria estratégica no Atlântico Sul) estava emocional e materialmente, debilitada.


A Operação Fraterno IV iniciou-se no dia seguinte com navios brasileiros e argentinos. No último dia da Operação o Navio Aeródromo ARA 25 de Mayo se incorporou ao Grupo Tarefa quando então faríamos a entrada no Rio da Prata , no dia seguinte atracando em Buenos Aires. O sol já estava se pondo quando o Russo nos comandos e eu de copiloto decolamos para um voo de “Check” pós inspeção de 100 hrs que acabara de ser realizada a bordo. Fazia muito frio naquela tarde o que nos obrigou a voar vestidos com o macacão emborrachado anti exposição térmica , caso tivéssemos que pousar na água gelada em emergência.




 O voo ocorria sem problemas até que resolvemos treinar uma manobra operativa um tanto radical conhecida como “wingover”. O Russo iniciou a manobra e no seu ponto mais critico quando a aeronave perde sustentação com o nariz apontado para o céu ......soou o alarme “pipipipipi” e acendeu o “ENG OUT” em vermelho no painel.

Havíamos perdido o motor 1 !!


O Russo manobrou com precisão , apertou o pedal direito girando 180°no eixo vertical no ar , arriou o coletivo diminuindo a potência e apontando o nariz do Lynx para o mar....gelado, 500 pés abaixo.

Imediatamente entrei na fonia :

- Independência , Falcão 25.... MAYDAY ...MAYDAY...MAYDAY ... perda de motor solicito luz verde para pouso mono!

- Falcão 25 , Independência ciente , navio se preparando aguarde luz verde.

Nada mais foi dito . sabíamos que a fragata faria todo o necessário para nos receber nas melhores condições para a situação.


Todos os navios participantes ouviram nossa mensagem e se mantiveram calados e todos se preparando para um resgate no mar , caso isso fosse necessário.

Enquanto o Russo manobrava com calma tentando ganhar velocidade para sustentação translacional economizando potência do único motor ainda vivo, eu olhava para o mar agitado a minha frente , se aproximando rapidamente , já memorizando o procedimento de escape de aeronave afundando e mentalmente torcendo para o macacão anti exposição, me aquecesse naquele mar gelado que sorria sarcasticamente para mim. NETUNO não faria isso comigo...o SANGUE do LINCE não permitiria pensei calado .

Me senti aliviado quando percebi que o Russo, magistralmente, iniciou a recuperação com o cíclico diminuindo nosso afundamento radical de cara para o mar . A velocidade e o ar frio nos proporcionavam uma boa sustentação translacional , só faltava que nosso potente e único , GEM 2 modificado ainda em funcionamento, fornecesse o resto de sustentação necessária para eu não me molhar . Ele forneceu , tratado com todo carinho pelo Russo.


Já mais tranquilo , mesmo rente ao mar dei um aceno para NETUNO e me concentrei no regresso ao navio mãe. O ARA 25 de Mayo nos ofereceu sua grande pista para o nosso  pouso em emergência seguro. Agradeci gentilmente quando ouvi pela fonia.

- Falcão 25, Independência ... rumo 170 veloc 32 ...vento relativo 030 BB ....com 40 nós... luz verde para recebimento mono.

-Independência , Falcão 25 ....na final.

Pousamos tranquilos sem fortes emoções. O forte vento relativo associado a fria temperatura do ar permitiram uma sustentação  excelente para o pouso suave

Nos juntamos ao nosso chefe do DAE CT Alpha Lima para darmos detalhes para o relatório de incidente aeronáutico que deveria naturalmente ser emitido. Nesse momento o imediato do navio  nos, cumprimentou e nos convidou a Câmara do Comandante .

O , então Comandante Mike Charlie , com toda a tranquilidade e experiência que lhe é peculiar até hoje , cumprimentou a todos pela manobra e sem muitas delongas perguntou:

- Quando vocês pretendem trocar o motor ?

Todos na sala sabiam da existência de um motor sobressalente a bordo , então o Lima , chefe do DAE respondeu:

- Comandante, a nossa intenção é fazer a troca amanhã logo após a atracação no porto em Buenos Aires , no convés de voo  sem o balanço do mar no estreito hangar do helicóptero e já com luz natural depois que amanhecer .

O Comandante  , com tranquilidade ouviu e nos fez uma proposta desafiadora. Depois de uma rápida explanação sobre o momento estratégico que vivíamos, quanto ao estado de espírito vigente dos militares argentinos. Ele pediu que considerássemos a possibilidade de começarmos imediatamente a troca do motor , mesmo durante a noite , dentro do hangar e com o natural balanço do mar. Concluiu que se fosse possível e se obtivéssemos sucesso, o efeito estratégico junto aos nossos “Hermanos” seria enorme.

Nós do 3° DAE nos entreolhamos surpresos  e mesmo sem trocarmos nenhuma palavra concordamos com a resposta do Lima :

- Comandante vamos tentar .

Pedimos licença e nos retiramos.

Nos reunimos com as praças de manutenção quando o Lima depois das explicações necessárias, determinou :

- Mãos à obra!


A equipe de praças imediatamente começou a preparar a faina. Retiraram as pás dobradas da aeronave hangarada. Retiraram o motor novo do container. Soltaram o motor avariado da estrutura equilibrando pendurado num aparelho de içamento no teto do hangar devido ao balanço do mar. Fizeram a troca durante a madrugada sempre com um de nós oficiais supervisionando e auxiliando no que fosse possível. O Russo e eu tínhamos que nos revezar tendo algumas horas de sono. Teríamos que fazer um voo de teste do motor assim que estivesse instalado. As 6 horas da manhã já com sol nascendo na foz do Rio da Prata em águas uruguaias , o Lima deu o “pronto” da troca do motor ao Comandante Mike Charlie , com uma ressalva:

-Precisamos fazer um voo teste de potência e vazamentos para considerar a aeronave pronta. Estamos em espaço aéreo uruguaio e para tanto precisamos de autorização para decolar nesta posição.

O Comandante Mike Charlie ouviu e , sem muita conversa determinou ao Imediato  que entrasse em contato com o Adido Naval brasileiro no Uruguai e obtivesse a autorização. A nós, determinou que estivéssemos prontos para decolar a qualquer momento.

Eram 7 e 15 no meu relógio, quando da cabine, ao lado do Russo transmiti :

- Aeroporto de Carrasco, Aeronave da Marinha do Brasil N-3025 pousada na Fragata Independência , no Rio da Prata no traves de Montevideo com autorização de voo de 30 minutos mantendo máximo de 500 pés... solicito acionamento .

- N-3025, Aeroporto de Carrasco , acionamento autorizado , chame para decolagem .


Decolamos , testamos tudo, pousamos 30 minutos depois e não havia nenhum vazamento. A faina tinha sido perfeita, cumprimentamos toda equipe e fomos cumprimentados por todos do navio, quando o Comandante Mike Charlie transmitiu orgulhoso para toda Foça Tarefa da Fraterno IV :

- FT Fraterno , Fragata Independência ... FALCÃO 25 ....PAPA OSCAR !

Atracamos na Dársena Norte do Puerto Madero em  Buenos Aires num dia lindo. No cais muitos familiares dos brasileiros aguardavam para um final se semana agradável em terras portenhas quando um grupo de oficiais argentinos fardados subiu a prancha da Independência e se apresentou no portaló. Eles queriam conversar com os Aviadores do navio. Fomos chamados e amigavelmente os convidamos ao convés de voo depois das apresentações formais ao Imediato  e ao Comandante .

Os argentinos de várias especialidades, tripulantes de vários navios só queriam saber uma coisa:

“Como nós fizemos para colocar o nosso Lynx em condições de voo em menos de 8 horas , no mar e de madrugada” ... e o Lima respondeu:

- Não foi nada demais ... já estamos acostumados a operar Lynx . Fazemos isso sempre.

O Comandante Mike Charlie acertou na mosca com seu pensamento estratégico.



1982 foi o ano que os “Hermanos” se surpreenderam com a “determinação” Britânica e com ... a Independência do Brasil.




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