Amigos da Pirataria Alada ... meu cordial Bom-dia Hoje, incorporando o VETERANO, de tantas recordações, triste com o recente acidente aéreo em New York, resolvi contar o meu relacionamento com o " belzinho piaba " como nós Aviadores Navais. carinhosamente, conhecemos o Bell 206.
O site da FAB ( Força Aérea Brasileira) , publica este texto sobre o Bell 206A
O BELL 206A é um helicóptero leve, com capacidade para três tripulantes e dois passageiros, destinado a missões emprego geral e transporte presidencial. Voou pela primeira vez em 1966 e figura entre os helicópteros de maior sucesso de todos os tempos.
A Força Aérea Brasileira utilizou 17 helicópteros “Jet Ranger” em missões de emprego geral e transporte de autoridades, de 1969 a 1992. O exemplar em exposição (matrícula FAB 8571) serviu à Presidência da República de 1969 a 1992, quando foi desativado e enviado para a Escola de Especialistas da Aeronáutica, como recurso para a instrução, sendo transferido para o Museu Aeroespacial em junho de 2000.
A minha particular história com essa maravilhosa aeronave começou em 1966 quando a aeronave fez um " tour " de demonstração pela América do Sul comandado por um piloto americano do fabricante.
Uma dessas demonstrações ocorreu no Campo de Marte em São Paulo, quando meu pai ( oficial da FAB) era um dos convidados pelo piloto americano à alguns oficiais para desfrutarem de um voo sobre São Paulo.
Eu , garoto de uns 11 anos que vivia por lá (desfrutando a convivência com aquelas maquinas voadoras ) quando meu pai perguntou se eu podia acompanhá-lo neste voo " turístico" . O piloto americano autorizou de bom grado.
Decolamos do Campo de Marte no sentido da pista 30 e fizemos um circuito pela direita sobrevoando o bairro de Santana ( onde eu morava) . Quando sobrevoamos a minha casa , me emocionei olhando pra baixo . O piloto gringo percebeu minha emoção e disse no seu “portunhol” típico de vendedor gringo :
- Eih boy ! mostra onde sua casa !
Eu apontei enquanto ele baixava a altitude e velocidade dando um sobrevoo ( quase pairado ) sobre a minha casa. Percebi , minha mãe saindo ao terraço de casa abanando para o helicóptero a baixa altitude. Ela não sabia que eu estava a bordo acenando de volta.
No regresso para pouso no campo de Marte eu pensava calado ,internamente : - É isso que quero fazer na vida !
Já pousados , com o Bellzinho com rotor parado , desembarcamos e o piloto gringo desceu e me chamou .
-Eih boy ...gostou ? ustê ser primeira criança a voar um Bell 206 no mundo . Congratulations !
Meu EGO infantil transbordou confirmando aquilo que havia pensado calado em voo.
O tempo passou rápido. Em 1969 , quando a FAB começou a operar o 206 e com minha decisão tomada no alto dos meus 15 anos , comuniquei ao meu pai minha decisão .
- Vou prestar concurso para EPCAR (Escola de Preparação de Cadetes do Ar ). Disse ao meu pai.
- Você vai ser o que quiser , menos piloto da FAB. – disse meu pai autoritariamente .
Não entendi nada, mas não questionei. Sabia que meu pai “oficial especialista não aviador “ deveria ter seus motivos . Sabia que ele tinha grande admiração pela Marinha , adquirida durante as patrulhas anti submarinas que ele realizavam a bordo dos Catalina da FAB observando os Navios da Marinha do Brasil atacando os Submarinos Alemães , por vezes com sucesso.
Sem saber as razões da decisão dele , mudei a minha : - Então vou prestar concurso para o Colégio Naval !
Ele ficou feliz e eu triste porque nunca tinha entrado num navio e não sabia que a Marinha tinha uma Aviação Naval ( com helicópteros ).
Foram 6 anos de estudos (Colégio e Escola Naval). Já formado passei 2 anos a bordo de Navio Patrulha Fluvial ( o Roraima no caso) optei pela especialização de Aviador Naval . Era um concurso médico , físico e psicotécnico de poucas vagas . Por sorte fui selecionado, e fui para São Pedro da Aldeia. Foi a primeira realização em 1979 quando me deparei no HI-1 ( Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Instrução ) com qual era a “ferramenta “ de instrução , o Bell Jet Ranger 206 !
Ao iniciar a parte prática do curso , o voo efetivamente , depois da longa parte teórica no CIAAN (Centro de Instrução e Adestramento Aero Naval ) que envolveu várias matérias afins como aerodinâmica, aerotécnica, meteorologia , navegação aérea , tráfego aéreo visual e instrumento , além de exercícios reais de combate a incêndio , e sobrevivências na selva e no mar . Visitas técnicas ao COMDABRA e CINDACTA , em Brasília e a CTA , ITA e EMBRAER em São Jose dos Campos. Ou seja, eu estava teoricamente pronto para aprender a pilotar o Bell 206, depois do “ground scool”, no HI-1.
Ao iniciar os voos do estágio ALPHA ( o primeiro pilotando ) tive a sorte de ter sido o primeiro aluno da turma a dominar o Bell 206 , dando confiança ao instrutor responsável a me perguntar :
- Aluno você considera que está pronto para voar sozinho ?
- Claro ! Foi minha resposta imediata.
Ele desceu do helicóptero
- Então decola sozinho , faz um circuito completo e pousa exatamente aqui no quadrado da área de instrução . Disse o meu “pai de aviação “ Capitão Tenente ( AvN - Fuzileiro Naval ) Castanheira.
Eu acabava de me tornar um piloto qualificado em Bell 206 , de acordo com as exigências civis do, na época , DAC ( hoje ANAC ) , mas para a Marinha ainda , eu não era um Aviador Naval (teria que completar a parte operativa da Marinha que implicava pouso a bordo , voos a baixa atitude diurno e noturno , voos por instrumento , voos em altitudes pouso em áreas restritas ( com o Bell 206 ).
Por haver uma cerimônia em terra para o primeiro aluno a “solar “ a aeronave que consistia em um banho de óleo iniciado pelo Almirante Comandante da Força Aeronaval , conhecida como “batismo”, me preparei emotivamente . Comentei com os amigos de curso, que o “ Boy” que havia sido a primeira criança a ter voado um Bell 206 , agora seria o primeiro jovem da turma a se qualificar como piloto de Bell 206.
Foi o suficiente para que os meus “amigos” providenciassem um cartaz que deveria portar na cerimônia de batismo , pendurado pelo pescoço onde dizia “ BABY BELL “ ,além de estar vestido apenas com uma grande frauda . Assim fui “besuntado “ de óleo , orgulhosamente.
O estágio BRAVO ( operativo ) se iniciava , agora com todos os outros instrutores (não só com o meu “ pai de aviação “)
Entre outros voos operativos , um deles era o de “altitude “. Este voo exigiria ascender até 10 Mil pés , sobre a área de instrução da Marinha , próximo a Cabo Frio. Para tal tínhamos que ter autorização de controle de tráfego do Centro Brasília , por ser uma altitude controlada sendo utilizada por aeronaves voando IFR (instrumento). O dia estava claro sem nuvens e fomos autorizados a subir , mantendo a frequência daquele órgão. O meu instrutor na posição de 2P ( copiloto instrutor) mantinha a frequência do Esquadrão HI-1.
A subida de 1 Mil para 10 Mil pés no regime de subida padrão do Bell 206 (500 pés por minuto) levou pelo menos 18 minutos até atingir a altitude do exercício. Nessa altitude o comportamento de um helicóptero é completamente diferente em função do “Ar Rarefeito” que atua tanto na sustentação aerodinâmica , quanto na potência do único motor (turbina ) da confiável Allison que equipava o 206.
Neste momento o meu instrutor CT EWERTON ( AvN - Fuzileiro Naval) , recebe uma ordem pela frequência radio do Esquadrão HI (setada só no radio do instrutor , enquanto eu mantinha contato com o Controle Brasília ,no meu radio ) de regressar ao Esquadrão por estarmos atrasados pela demora na subida , sugerindo que entrássemos em Auto Rotação ( manobra de descida em caso de perda de motor ) . Para tal deveríamos colocar o motor em” ralanti “( na manete de combustível “ponto morto” sem potência ).
Comuniquei minha intenção de executar esta manobra ao Centro Brasília que autorizou . Ao manobrar a manete de combustível para “ralanti “ .... Piii Piii Piii alarme vermelho no painel de ENG OUT . Havíamos apagado o motor ! Neste momento deixou de ser treinamento e passou a ser "emergência real ".
O Ewerton assumiu os comandos quando entramos em auto rotação a 10 mil pés .
Sem problema o Bell 206 desce nestas condições com facilidade de comandos , inclusive por ser bi pá de boa sustentação em condições normais (mas não com ar rarefeito naquela altitude ).
Recebi a ordem do meu instrutor no controle dos comandos na posição de 2P (copiloto) . Nessa posição não há no coletivo o botão de “start”, então caberia a mim (aluno) dar uma partida em voo , atividade para qual eu não havia sido preparado ainda .
Já estávamos a 8 mil pés quando executei a partida patrão (em terra ). Apertei o botão de start , quando atingiu a rotação de Ng (rotação da turbina de gás acionada pelo gerador abri a manete de combustível , observando a temperatura gerada dentro da câmara de combustão ( TOT ). Levei um susto , quando a temperatura de TOT , imediatamente atingiu o “limite máximo” do instrumento 1000 °C . Cortei imediatamente o combustível apagando novamente o motor . Havia dado uma partida “quente” (imperdoável, mas perdoável para um piloto em formação e ainda mais naquela altitude com ar rarefeito )
- PÔ ... você apagou de novo o motor ! - foram as palavras duras do meu instrutor ;
- Apaguei porque o TOT atingiu 1000 °C e se continuasse poderia explodir o motor em algum momento. – Foi a minha resposta .
- Vamos dar uma partida monitorada . – Foi a ordem seguinte do instrutor quando já havíamos atingido 5 MIL pés se aproximando da nossa Base Aérea em São Pedro da Aldeia .
Declaramos emergência para o controle “ Macega “ que já mantínhamos contato .
Cumprindo as ordens , apertei o botão de start , aguardamos o valor de Ng , quando o Ewerton foi abrindo a manete de combustível no coletivo de 2P “ monitorando a vazão de combustível , controlando a temperatura de TOT , dentro dos limites normais quando já atingíamos a altitude de tráfego aéreo de SBES (nossa Base ).
Observei em terra toda movimentação de segurança , bombeiros , ambulâncias e todos os hangares com tripulação preparadas para ajudar no que fosse solicitado .
Declaramos aproximação normal para a pista , por segurança com motor funcionando.
Pousamos sem problemas e cortamos o motor , já condenado a inspeção (pelo menos) pela “partida quente” , sem maiores danos .
Foi aberta uma investigação por “incidente aeronáutico “. Na conclusão , o maior “fator contribuinte “ , foi a tentativa de executar treinamento de auto rotação a 10 mil pés por condições de rarefação do ar nessas condições . Em função deste apagamento , a Bell fez constar no manual a proibição de executar esse treinamento nessas condições .
Eu como , recente batizado de “BABY BELL “ pelo Esquadrão HI-1, fiquei satisfeito de saber que havia protagonizado como um dos pilotos envolvido no primeiro apagamento de motor em voo de um Bell 206 ( pelo menos no Brasil) e pousado com segurança , contribuindo assim para que não ocorresse novamente .
Aprendi muito nessa aula com meu instrutor CT Ewerton ( AvN-FN ) , como manter a calma em situações difíceis e tomar decisões corretas preservando vidas (prioritariamente ) e de material público , quando possível.
Me formei Aviador Naval , depois de 1 ano de curso tendo voado o Bell 206 no HI-1 , e pedi para fazer parte do DAE FLOTAM (Destacamento Aéreo Embarcado da Flotilha do Amazonas ) criado naquele ano do recebimento da minha ASA de Aviador Naval pilotando o Bell 206 . Eu havia passado 2 anos navegando por “todos” os rios da região , portanto conhecendo todas as “características “ amazônicas . Não fui atendido . Como bem classificado no curso de formação , a Marinha resolveu me presentear com um prêmio me enviando para o recém-criado Esquadrão HA-1 (Primeiro Esquadrão de Esclarecimento e Ataque Anti Submarino ) . Fui o único recém-formado enviado para aquela Unidade .

O HA-1 , operava com aeronaves SAH-11 (WG 13) LYNX da Westland inglesa . Eram aeronaves moderníssima a época (praticamente protótipos só operados pela Royal Navy e pela Marinha do Brasil ) . Como todo bom protótipo sofisticado , este também apresentou vários problemas , principalmente em relação aos novíssimos motores GEM 2 ( projetados exclusivamente para o WG 13) . Esses motores apagavam em voo (sem aviso prévio) . A sorte é que nesta aeronave havia 2 motores , não sendo necessário adotar auto rotação imediata , mas era uma emergência porque a aeronave permanecia em voo com apenas 1 motor , mas não foi projetada para operar nestas condições.
Ao longo dos muitos anos que operei no HA-1, desfrutei de 4 apagamentos de motor em voo conseguindo pousar monomotor a bordo das Fragatas da Marinha (inclusive um noturno ) em segurança e sem nenhum dano (pessoal ou material ).
Eu havia deixado de ser o BABY BELL , para ser um LINCE ARPOADOR. .... esse foi o meu prêmio de formatura no HI-1 ( talvez porque eu havia participado do primeiro apagamento de motor em voo de um BELL 206, com pouso em segurança) .
O BELL 206 se tornou para mim um grande “ antigo amor mecânico" (o primeiro a gente nunca esquece ) e posso afirmar que sempre foi uma aeronave extremamente segura por tantos anos , estatisticamente .
A ocorrência recente em Nova York, em princípio , é absurda e inexplicável como pode ter ocorrido envolvendo esta aeronave , mas como nada na aviação é “inexplicável “ tenho convicção que após as investigações técnicas forem concluídas, os fatores contribuintes serão divulgados , sejam técnicos ou humanos , como já disse um conhecido Aviador / escritor Richard Bach : “ Nada por Acaso “.
Minha profunda condolência aos familiares desta tragédia nova-iorquina , envolvendo o meu primeiro amor mecânico o Bell Jet Ranger 206 .
Meu particular agradecimento ao CMG ( AvN-FN) Ewerton pelo ensinamento e tranquilidade em uma emergência real que acabou se traduzindo num final feliz.
Fraterno abraço a todos leitores , do Veterano Pirata Aldo.