sábado, 11 de fevereiro de 2023

Pirata ... e a DRAGÃO XXV


Amigos da Pirataria Alada ....ADSUMUS !

Adsumus tem em sentido próprio o significado de estar presente e em sentido figurado - Aqui estamos, refletindo a presteza e o permanente estado de prontificação de um grupo profissional

Hoje, extremamente honrado pela publicação de um artigo do meu amigo Comandante Barreira , na centenária  Revista Marítima Brasileira (RMB) no seu número V.142 n. 10/12 outubro/dezembro 2022, resolvi reproduzir aqui esta história no intuito de divulgar algumas das características da vida "piratesca" , incluindo no texto algumas fotos do meu arquivo pessoal.

A Operação DRAGÃO , é um treinamento de Desembarque Anfíbio , executado pela  Marinha do Brasil. O nome "DRAGÃO" nos remete a famosa Operação Aliada na Segunda Guerra  na região sul da França como explicado pela internet :

Operação Dragão foi o codinome para invasão Aliada de Provença (sul da França) em 15 de agosto de 1944. A operação foi inicialmente planejada para ser executada em conjunto com a Operação Overlord, os desembarques Aliados na Normandia, mas a falta de recursos disponíveis levou ao cancelamento do segundo patamar. Em julho de 1944, o desembarque foi reconsiderado, pois os portos congestionados da Normandia não tinham capacidade para abastecer adequadamente as forças aliadas. Com a seguridade da Normandia e os alemães em retirada para a linha Siegfried, estes não conseguiram evitar a derrota. Não foi difícil derrotar as divisões alemãs na fronteira com a Itália, despachando divisões americanas e inglesas. A Resistência Francesa foi de grande ajuda contra o 2º exercito alemão de infantaria e o exército inglês destruiu essa linha de defesa, acabando com a defesa alemã e terminando com a resistência no sul da França.

Assim publicou a RMB , na coluna O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL :

Estranho no ninho da DARAGÃO XXV

O dia amanheceu ensolarado neste início de primavera . No entanto , como em qualquer primavera, as nuvens depois do meio-dia começaram a se apresentar desestimulando a permanência na praia de Santos.

Como um Veterano Capitão de Mar e Guerra que se preza , fiquei triste por deixar o meu lazer praiano e me recolhi ao meu escritório caseiro onde , por vezes, busco as agradáveis lembranças da vida ativa de Aviador que desfrutei , sempre próximo ao mar , seja na Marinha ou nas atividades civis , como piloto privado de executivos , e seus iates , ou como piloto comercial de uma empresa Off Shore. 

Dediquei a minha tarde chuvosa dominical a organização da minha documentação pessoal quando me deparei com um “diploma” assinado pelo Comandante da Divisão Anfíbia. Curioso e intrigado , já que não sou Fuzileiro Naval, busquei a razão do documento e li.

“... por sua participação na Operação Dragão XXV “.

O documento datado de 1989 estava assinado por Lindberg Campos da Silva , Contra Almirante , Comandante.

A partir deste momento , acendi um cigarro e me relaxei no sofá do escritório e forcei as lembranças de tal evento , que eu havia realmente participado, num período um tanto diverso da minha vida profissional (que só a Marinha pode nos proporcionar) que agora descrevo :

Em 1989 , eu era um Capitão de Corveta , promovido há um ano , quando recebia 17 helicópteros (11 UH-13 Esquilos Bi e 6 UH-14 Super -Puma) fazendo parte do GFRHF (Grupo de Fiscalização e Recebimento de Helicópteros na França). Depois de 2 anos trabalhando na Aérospatiale (hoje AIRBUS) em Marignane – França, voltamos ao Brasil quando fui designado “Encarregado das Aeronaves Francesas “ do Departamento de Material da DAerM ( Diretoria de Aeronáutica da Marinha) . Um dia fui chamado a sala do meu chefe de departamento , CF Jean Cristoph , que transmitiu a ordem de me apresentar a Divisão Anfíbia dos Fuzileiros Navais , para participar da Operação Dragão XXV como “CAA” ( Controlador Aéreo Avançado).


Fiquei surpreendido na época, porque minha experiência aérea operativa era com as aeronaves SAH-11, Lynx de ataque embarcadas em Fragatas, mais afetas a operações marítimas pouco utilizadas em Operações de Desembarque Anfíbios (domínio dos Fuzileiros Navais). Fiquei feliz por ter oportunidade de voltar, depois de 2 anos, a uma atividade operativa.

Sem discutir pensei : “- missão dada ... é missão cumprida ... vamos à luta ! “.

Procurei estudar o assunto com mais profundidade antes de me apresentar a Divisão Anfíbia na Ilha do Governador. 

La chegando, na apresentação me forneceram todo material necessário à minha , momentânea, atividade militar : uniforme completo camuflado, capacete, kit de sobrevivência com rações e água para alimentação além de um coldre com uma pistola 45, e determinaram que eu me apresentasse a Companhia comandada pelo Capitão de Corveta  (FN) Ítalo.

Mesmo me sentindo um estranho no ninho , fiquei feliz de saber quem seria o meu comandante quando a “guerra” começasse, o CC Ítalo, meu amigo e colega de turma (profissional extremamente competente).

“ Barreira ! ... o que está fazendo aqui ?” Foram as primeiras palavras do meu amigo Ítalo na porta da sala de Comandante de Companhia.

“ Serei seu CAA na Dragão...meu Comandante “ . Disse antes de me aproximar para um forte abraço.

Estranhei quando ele com ar preocupado disse :

“ Não vai rolar .... você é mais antigo que eu e não pode receber ordens de um  comandante mais moderno !”.

Era verdade por um detalhe administrativo. Todo oficial do Corpo da Armada é mais antigo que qualquer oficial do Corpo de Fuzileiros Navais, da mesma turma , no mesmo posto com promoção no mesmo dia , como era o caso.

Um clima de suspense se instalou por alguns segundos entre nós até que eu disse:

“- Acho que eu dormi na aula que disseram isso ...portanto quais são minhas ordens? .... Meu Comandante”.

O gelo da teoria derreteu e partimos para a prática.

Soube que teria uma instrução e treinamento rápido de desembarque  por meio de rede de cabos instalada no G-16 ( Navio Transporte Barroso Pereira) onde estaríamos embarcados até o início da Operação em Itaoca -ES.

Depois de alguns treinamentos e instruções , recebi as cartas que seriam as ferramentas da minha atividade de controlador das aeronaves envolvidas. Fui apresentado ao Fuzileiro que seria a minha “sombra” portando o pesado equipamento radio/antena com o qual eu me comunicaria com as aeronaves. Comecei a gostar dessa nova experiência . Tivemos um Brieffing detalhado e partimos para embarque no Barrosão, atracado em Mocangue.

Embarcamos e a Força de Desembarque composta de vários navios, deixou o Rio de Janeiro.

Chegamos a Itaoca de madrugada com o nosso navio sem iluminação , assim como todos os outros . O silêncio e a ansiedade imperavam a bordo. Era um clima tenso. A Operação de Desembarque Anfíbio é muito complexa e envolve grandes riscos, sendo real ou de treinamento. A Dragão XXV não seria diferente.

Chegou o momento do desembarque noturno . Nos reunimos no convés principal do Barroso. A escuridão e o silencio só eram quebrados pela espuma do mar quebrando no costado do navio e pelo barulho dos motores das LDPs (Lancha de Desembarque Pequena) que se movimentavam se aproximando dos navios .

Quando a LDP que nos levaria a praia se aproximou da rede estendida pelo costado do navio , me preparei para iniciar o transbordo. Assim que o comandante Ítalo ordenou o início do transbordo, por ansiedade me antecipei  e me agarrei na rede que ainda não estava perfeitamente esticada com o balanço do mar sofrido pela LDP. Foi um momento de tensão na escuridão quando ouvi a voz do Ítalo incisivo no convés :

“- Vocês vão deixar o Comandante ir sozinho na frente de vocês FUZILEIROS!!!?”

Ato contínuo olhei para cima e comecei a ver vários Fuzileiros armados de seus fuzis ultrapassando a borda e tentando me alcançar na rede. Cheguei ao fim da rede , me preparei para saltar no convés da LDP que balançava ao sabor das marolas , golpeando o costado do navio. Me lembrei dos meus tempos de veleiro na Escola Naval quando fazíamos transbordo entre barcos em situação semelhante, aguardei o melhor momento e me atirei no convés da lancha com sucesso. O marujo patrão da lancha se assustou ao me segurar percebendo minha “bilola “ de CC (CA) presa na gola do meu camuflado e perguntou :

“ Tudo bem, CHEFE ? ...seja bem-vindo a bordo ! “

Não esperou minha resposta , prestou uma rápida continência e se concentrou no embarque atribulado dos outros integrantes da Companhia. Com todos a bordo , a rede foi recolhida e o marujo Patrão se distanciou do navio nos conduzindo para área de espera junto as outras lanchas.

Ficamos a aguardando organização em linha da vaga de ataque. Neste momento de silencio percebi um burburinho entre os Fuzileiros agachados na lancha se protegendo dos tiros inimigos que estavam por vir durante o avanço para a praia . Curioso perguntei ao Marujo Patrão :

“- o que os Navais tão cochichando ?”.

“- estão rezando chefe ... o desembarque na praia é perigoso se a LDP pesada encalhar antes de chegar a areia e a tampa for aberta ainda na agua .... dependendo da profundidade eles podem se afogar carregando tanto peso ... é melhor REZAR ! “

Fiquei preocupado.

“ Marujo .... não quero molhar o  “BooT” ... portanto , dá um jeito de botar essa lancha em terra ! “ disse ao Marujo Patrão.

“ Deixa comigo CHEFE “.... foi a resposta quando senti ele acelerando depois de cruzar  a rebentação.

Quando sentimos a desaceleração com contato abaixo do casco , a rampa foi aberta e todos começara a correr . Eu fui o último a deixar a embarcação dando um tapinha nas costas do Marujo como despedida agradecido. Sai da LDP pisando na areia fofa sem molhar o BooT. Cruzei a faixa de areia no escuro e me “ferrei” ao solo mais consistente imitando os Fuzileiros a minha frente. Senti uma vegetação espinhosa , que depois identifiquei como uma plantação de abacaxi.

Fiquei parado entre os abacaxis , ao lado do meu “Sombra” aguardando ordens.

O nascer do sol despontava os primeiros raios de iluminação naquele dia que prometia ser emocionante.

O Comandante Ítalo se aproximou rastejando para me dar um Brieffing dos próximos passos.

Apontou a silhueta de uma grande caixa d’agua no horizonte, no alto de uma colina.

 “-aquele é o nosso objetivo a ser conquistado. Vamos nos posicionar próximos aos outros pelotões desembarcados . Para tal, nos deslocaremos rastejando até o ponto de encontro. De lá , passarei as posições que devem ser bombardeadas ... e ai você assume o controle das aeronaves que iniciarão o ataque. Alguma dúvida ? “

“- nenhuma ! “ foi a minha resposta incisiva olhando para a distante Caixa D’Agua ... nosso objetivo.

Nos rastejamos entre abacaxis até o ponto de encontro. Nos reunimos aos outros fuzileiros, quando houve um tempo para planejamento de táticas entre os comandantes para o ataque final. Era hora de descansarmos nos alimentando. Descobri que havia duas latas contendo rações . Uma delas era uma “deliciosa  feijoada” e a outra uma “nem tanto deliciosa gororoba”. Propus uma barganha de rações entre mim e o Sombra . Ele aceitou de bom grado. Eu fiquei com a feijoada dele , e ele com a minha gororoba.


As posições de bombardeamento chegaram . Era hora de trabalhar. Em 1989 , o GPS ainda não era um equipamento disponível. Assim as posições geográficas foram transmitidas via radio , codificadas , para o Comandante do UH-14 a bordo de uma das plataformas marítimas que aguardavam . Depois de “decodificadas” as coordenadas seriam inseridas no Computador de Navegação Inercial do Super Puma que eu havia recebido há 1 ano na França e o ataque aéreo seria executado com precisão .

O ataque foi realizado com sucesso , diminuindo a resistência inimiga ao nosso avanço por terra.

O dia chegava ao fim. O ataque inicial  a Caixa D’Agua se iniciou onde havia a resistência final da defesa , do figurativo inimigo . Ao final do dia a Caixa D’Agua foi conquistada . A cabeça de praia foi estabelecida !. 

Meu cantil já estava vazio . Fui até nosso objetivo conquistado para encher o cantil junto ao meu Comandante Ítalo e próximo a uma torneira havia um pequeno cartaz que dizia :

“ ÁGUA CONTAMINADA PELO FIGURATIVO INIMIGO “.

Quando fiz menção de encher meu cantil o Ítalo se manifestou :

“- Você vai beber essa água ?”

“ A OPERAÇÂO DRAGÂO  já terminou ?”  perguntei a ele


“Já , nós conquistamos nosso objetivo ... só falta fazermos o reembarque da tropa de fuzileiros amanhã , ao nascer  sol “ ele respondeu 

“ Então tá bom ....o CAA trouxe um purificador de água desenvolvido  nos meus 2 anos , como chefe de máquinas do NaPaFlu Roraima bebendo água de todos os rios amazônicos...fica tranquilo”.

Montamos acampamento . Comi minha ração de feijoada . Bebi um gole da minha água purificada. Me recostei dentro da minha barraca ao lado do Sombra .

“- Valeu Sombra. Obrigado pelo apoio . BZ “

Dormi feliz com a experiência vivida. Pouco tempo depois ainda escuro , levantamos acampamento e nos deslocamos , sem rastejar ,para a “cabeça de praia estabelecida “. Ao nascer do sol as LDPs de reembarque nos recolheram .

 No meu regresso a DAerM. Me apresentei ao chefe do Departamento de Material CF Jean Cristoph .

“ Missão cumprida Chefe ... o Estranho no ninho da DRAGÂO XXV está regressando ...vitorioso 

....AD SUMUS ! “

(O Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil utiliza esta expressão "adsumus" para exprimir presteza nas missões. Estamos juntos, .... e o estranho no ninho da Dragão esteve presente ).


Minha profunda admiração e respeito por todo Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil



https://youtu.be/vnqMgJAeVN4