Amigos da pirataria Alada ...meu cordial ..... olá
A primeira tempestade de neve a gente nunca esquece, principalmente se ela ocorre , em voo.
Em janeiro 1986 , como Capitão Tenente da Marinha do Brasil, fui
enviado para França para fazer parte de um Grupo de Recebimento de
Helicópteros (6 Super Pumas AS332 e 11
Esquilos Bi AS 355) na Aérospatiale em Marignane, próximo a Marseille ,na região Sul da
Provence. Além do recebimento dos 17 helicópteros novos adquiridos pela Marinha
do Brasil , eu deveria testar o Dauphin Naval AS366, oferecido pelo mesmo fabricante,
numa concorrência contra o Super Lynx WG30 ,da fabricante inglesa Westland.
Quando fui nomeado para compor o Grupo de Recebimento , estranhei considerando que não falava o idioma francês, portanto assumi que a razão da indicação seria pela minha experiência com aeronaves Lynx, tendo suficientes horas voo por instrumento , características priorizada em todas as aeronaves em questão.
Depois de adquirir um mínimo de domínio do idioma
francês , passei a questionar a fabrica francesa sobre alguns pontos do contrato que ,
de acordo com a minha opinião profissional , eram desvantajosos para a Marinha
do Brasil. Para todas essas discussões os representantes dos franceses , se
defendiam dizendo :
Assim fui obrigado a aceitar as condições contratuais ,
contrárias ao meu entendimento profissional e pessoal. Engoli todos os “sapos”
franceses.
Chegou o dia da minha avaliação do Dauphin Naval oferecido na concorrência internacional. O único Dauphin Naval em condições de voo , pertencia a Marinha da Arábia Saudita . Isso criou um certo problema quando exigi o modelo para testá-lo a bordo de um navio semelhante as nossas Fragatas classe Niterói Brasileiras. Depois de muitas discussões e acordos diplomáticos entre Brasil , França e Arábia Saudita , embarquei com o Dauphin Naval árabe numa Fragata francesa para o teste “contratual”.... afinal , contrato... é contrato !
O resultado não foi o esperado pela Aérospatiale. Reprovei o Dauphin Naval por uma série de restrições apresentadas durante o embarque . Essa minha avaliação, meses depois foi respaldada pelo meu guru profissional Russo Postarek, quando numa manobra comercial, pouco comum , apresentaram no Brasil um Dauphin civil modificado para testes.
“c'est une tempête de neige qui approche... rentrez chez
vous aussi vite que vous le pouvez”
Surpreso, não questionei e cumpri a recomendação do piloto
francês. Ele estava certo. As consequências da tempestade de neve foram
trágicas na região. As estradas ficaram interditadas pelos veículos movidos
diesel que congelavam seu combustível, paravam os motores e eram abandonados
por seus condutores para não congelarem sem aquecimento provido pelos aquecedores, com motor em funcionamento. A fábrica parou de funcionar por 5 dias até tudo
voltar ao normal. Foi minha primeira tempestade de neve , mas não foi a pior.
Quis o destino (e ele sempre quer) que quase 20 anos depois, já
como Veterano da Marinha, nossos caminhos ( meu e da Aérospatiale, agora com
novo nome , Eurocopter) se cruzassem novamente.
Em 2005, eu já era, então, um “Pirata Alado“ assumido, piloto civil contratado por um grupo empresarial que adquiriu iates com capacidade de operar helicópteros a bordo, pelo mundo, para gerenciar esta operação em três iates com dois helicópteros: 1Colibri EC 120 a bordo dos iates: Arpoadora, no Brasil , e Trindade no Caribe além de 1 esquilo AS 350 B2 a bordo Iate Karima , de bandeira de registro de Bermudas ( assim como a matrícula do helicóptero ) que operaria em qualquer parte do mundo.
« Je suis désolé… mais le contrat a été signé par les
autorités de la filiale brésilienne, et
il ne peut pas être modifié ! Contrat...est contrat".
Depois de algumas conversas , me pediram 20 dias para
fazerem os acertos internos que permitisse o voo de recebimento , de acordo com
o contrato. Concordei e fui para Livorno na Itália para conhecer a tripulação
do Karima que estava no estaleiro recebendo os últimos retoques.
A previsão meteorológica previa a aproximação de uma
tempestade de neve o que me obrigou a planejar decolagem antes que ela me
pegasse em Cannes. O voo para Genève, estava previsto para 1 hora e 45 minutos
no rumo norte (fugindo da direção da frente nevada).Contratei um piloto francês
para me ajudar na rota alpina da Suíça, já que eu nunca a havia voado. A sereia
Pi estava comigo, aproveitando o fim das minhas atividades de verão e agora
estava pronta para me acompanhar nas atividades de inverno suíço. Meu fiel
escudeiro Humberto (mecânico do B2) nos acompanhava quando chamei a torre de
Cannes para acionar e autorizar meu plano de voo. A torre não autorizou a minha
partida e solicitou meu comparecimento a sala de tráfego.
Preocupado com o atraso e a aproximação da tempestade de
neve corri para a sala de tráfego tentando imaginar qual era o problema. Recebi
uma rápida explicação:
A minha aeronave havia pousado a primeira vez em Cannes com
uma matrícula francesa e havia decolado com matrícula de Bermudas, portanto de
forma irregular. Assim sendo , a Diretoria de Aviação da França foi pesquisar e
descobriu que a aeronave havia entrado na França como carga pelo porto de
Marseille , portanto teria que voltar a Marignane para regularizar a situação
antes de ir para qualquer outro lugar. Ponderei que se aproximava uma
tempestade de neve nessa direção. Meu apelo não surtiu efeito. Me martirizei
por não ter previsto isso em contrato!
Uma forte de luz de um farol apareceu entre os flocos de
neve exatamente na minha frente. Parei o helicóptero mantendo o topo da torre
no visual e a luz, que pude identificar como sendo de outro helicóptero na
minha frente, na mesma situação , em sentido inverso . Era um Alouette da Armée
de L’air (Exército Frances) que trafegava em frequência militar , portanto inaudível
por mim assim como pelo controle de Marseille. Nesse momento , numa fração de
segundo decidi me afastar da ameaça a frente tentando voar para trás mantendo a
torre metálica no visual e baixar devagar a altitude até ter visual de um local
para pouso.
Nesse momento delicado e crítico , o helicóptero começou a
trepidar completamente e eu não conseguia controla-lo. Sem entender o que
estava acontecendo olhei para o copiloto francês ao meu lado que com olhos
esbugalhados se agarrava com as duas
mãos o cíclico de controle puxando com força para trás com olhar fixo na torre metálica
a sua frente. Quando identifiquei a causa do descontrole não me restou outra
alternativa e gritei:
“ Lâchez! ... Lâchez!...Lâchez! “
Ao mesmo tempo dei-lhe uma porrada no antebraço. O
helicóptero deu um tranco e ele largou o cíclico. Foi o suficiente para eu
adquirir o controle da aeronave novamente, muito próximo do solo sobre a
Autoroute e conseguir manobrar o helicóptero para o estacionamento de um hotel
Etap de beira de estrada.
Com o proprietário concordando , ou não, ...eu não decolaria
naquelas condições ... nem a PAU ... JUVENAU !!!, pensei.
Quando sai da aeronave minhas pernas tremiam . Ninguém
falava nada, e nada foi dito sobre o ocorrido. O importante é que estávamos
todos vivos , e com frio.
O Hotel estava fechado . Batemos na porta procurado abrigo como se pousar um helicóptero no estacionamento de carros fosse a coisa mais normal do mundo. Uma senhora abriu uma fresta de porta para comunicar que o hotel só abriria a partir da 15 horas, olhando para o helicóptero . Argumentei que estávamos com frio e se poderíamos entrar para nos aquecer e aguardar 2 horas até o hotel abrir , aquecidos. A gentil senhora francesa , permitiu que o helicóptero ficasse pousado e que nós pudéssemos ter acesso a uma sala onde havia uma máquina de sopa acionada por moedas . As 15 horas pontualmente ela nos atendeu oferecendo quartos para pernoite , com pagamento antecipado. Compreensivo. Poderíamos fugir “voando” sem pagar .
Entrei em contato com o despachante da fabricante francesa contando nossa situação. Ele disse para ficarmos tranquilos porque iriam enviar um funcionário de carro pegar os documentos da aeronave e rapidamente resolveriam a situação liberando nossa decolagem para a Suíça.
Fiquei imaginando e me recriminando por não ter previsto essa situação tão simples e fazer constar no Contrato. Seria apenas um detalhe jurídico, que evitaria uma possível tragédia. Na outra encarnação eu vou investir num bacharelado de direito. É mais seguro.
Descobri que havia perto do hotel uma churrascaria. A noite foi muito alegre. Comemos muita carne acompanhada por vinho nacional para comemorar a primeira noite do resto de nossas vidas.
No dia seguinte com sol brilhando e o helicóptero coberto de gelo que derretia decolamos tranquilos para cumprir a última missão daquela temporada.
Ao meu amigo e escudeiro Humberto e a minha querida Sereia
Pi, meu profundo reconhecimento pela postura digna e silenciosa, no momento de tensão, permitindo
um desfecho ...aceitável. Foram perfeitos companheiros de aventura.
Ao meu copiloto francês alugado, desejo vida longa (talvez em
outra profissão).
A primeira tempestade de neve...a gente nunca esquece ....
a segunda ... eu não gosto nem de lembrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Estou tentando regularizar "os comentários postados"
Solicito que os comentários tenham identificação no próprio texto.
Obrigado.👍👍
Pirata Alado