sábado, 8 de janeiro de 2022

Pirata ... e a Burocracia Estatal

 


Amigos da Pirataria Alada , meu cordial... Olá


Em tempos de comemorações de 200 anos de nossa Independência de Portugal , me surpreendi pensando no “grau” de independência que atingimos. Entre outras , me deparei com um problema que ainda nos atrasa em relação ao mundo civilizado: 

“a burocracia estatal”.

Eu só me dei conta desse problema , quando passei a lidar com burocracia de vários países das mais variadas culturas, políticas governamentais, orientação religiosa e graus de corrupção. Foram mais de 30 países onde, por força da minha atividade profissional, fui obrigado a lidar com a “burocracia estatal” de cada um desses países (particularmente na atividade aérea). Minhas atividades aéreas exigiam uma grande quantidade de : vistos, autorizações, qualificações, homologações e por aí vai. Em todos esses países eu era um “estrangeiro” como cidadão brasileiro e assim sempre fui tratado como um “estrangeiro”, até aqui no Brasil porque , mesmo sendo cidadão brasileiro, em uma única vez (2006), entrei no país pilotando uma aeronave com matrícula estrangeira : o VP-BFL  , matrícula de Bermuda que operava  com um Certificat of Validation  de ATPL ( Airline Transport Pilot’s Licence ) emitida pela DCA ( Department of Civil Aviation) daquele país.


No Brasil a atividade aérea era regulamenta pelo DAC (Departamento de Aviação Civil) órgão controlado pelos militares do Ministério da Aeronáutica. Em dezembro de 2005 foi criada a ANAC (Agencia Nacional de Aviação Civil) , que passou a funcionar em 2006 sob controle do Ministério da Infraestrutura . Essa mudança fez parte de um processo executado pelo Presidente Lula, visando diminuir a influencia dos militares , na estrutura política do país. A partir de então, o controle da Aviação Civil estava nas mãos dos políticos da estrutura eleitoreira que se apossou do Brasil.


A Entrada no Brasil

Eu, em  2006, operava um EC-120 (colibri) de matrícula brasileira , com minha licença ANAC de PLAH (Piloto de Linha Aérea – Helicóptero) onde constavam as minhas qualificações de equipamentos (aeronaves) assim como a validade do meu exame médico renovável anualmente. Operava ao mesmo tempo , o VP-BFL de matrícula da Bermudas com licença do DCA  com minha qualificação de AS-350B2 (esquilo B2) , revalidando o meu exame médico da minha licença brasileira da ANAC.

Foi naquele ano de 2006 , no mês de dezembro ,que a Nau Karima ( com o Seababoon VP-BFL, hangarado a bordo) atracou no porto de Vitória , proveniente da Base Militar  anglo-americana de Ascenção , no meio do Oceano Atlântico. Por ser uma Base Militar estratégica, não fui autorizado a voar sobre aquela ilha. Sendo assim , vim para o Brasil operar com o Colibri brasileiro e aqui estava quando a Nau Karima atracou em Vitória para abastecimento e posterior deslocamento para a Patagônia. Esta parada do Karima foi providencial porque me daria a oportunidade de executar uma das inspeções de manutenção previstas , no país que havia fabricado o Seababoon (na Helibras).

Para voar no Brasil, eu precisava dar a entrada internacional voando o Seababoon que teria decolado do exterior. Isso só poderia ser feito em voo , pousando num aeroporto Internacional , caso contrário , a aeronave seria encarada como “carga” do Motor Yacht Karima sem autorização de voo no país e exigiria um processo burocrático de Importação temporária (segundo instruções da ANAC e da Receita Federal.

De posse dos detalhes burocráticos internacionais exigidos pelos vários órgão estatais de fiscalização no Brasil , decidi em comum acordo com o Comandante do Karima ( recém assumido em Tenerife), que após abastecer em Vitória, o Karima quando atingisse “aguas internacionais “ (12,5 Milhas Náuticas da costa brasileira) eu decolaria com o Seababoon, com Plano de Voo Internacional FROM M/Y Karima TO SBGL (aeroporto internacional do Galeão) no Rio de Janeiro, cumprindo assim todas exigências burocráticas da ANAC , Receita Federal e Policia Federal).


“Controle Rio ... VP-BFL ...bom dia .... helicóptero AS-350 ... visual ... decolado do Motor Iate Karima navegando em águas internacionais ...12, 5 milhas náuticas traves leste de Vitória... com destino SBGL mantendo 500 pés... estimando 2 horas e 30 minutos  para entrada no seu circuito. “

Chamei o controle  de acordo com as instruções da ANAC quando passei meu plano de voo por telefone antes da decolagem.

Me senti orgulhoso quando pousei no Galeão sem nenhum tipo de problema. Era um grande prazer falar português usando aquela aeronave estrangeira depois de mais de um ano tendo que me virar com meu inglês macarrônico, com meu portunhol e o meu francês de rua por toda a Europa Ocidental nos últimos anos. Afinal , consta na minha licença ANAC “PORTUGUES NÍVEL 6 “.

A Polícia Federal foi a primeira a inspecionar a aeronave em busca de drogas ( provavelmente ). Além do meu maço de cigarros brasileiro , nada foi encontrado e, portanto, fui autorizado a entrar no país. Em seguida vieram as autoridades da Receita Federal que inspecionaram principalmente a bagagem em busca de algum contrabando. Minha bagagem era uma mochila cheia de documentos, nada que merecesse ser taxado. Antes de me darem o papel que me liberava , o agente me perguntou:

“ Comandante , qual foi o último aeroporto de onde decolou ?”

Sorri e respondi :

“ Decolei de um Iate privado chamado Karima de porto de registro Hamilton – Bermuda navegando em águas internacionais”

“Comandante , desculpa ... mas preciso de um registro de aeroporto internacional , caso contrário o computador da Receita , não aceita para emitir a autorização de entrada no Brasil”

Fiquei pasmo e argumentei :

“ ... mas o ultimo aeroporto internacional que decolei foi o de Marina de Campo , na ilha de Elba na Itália quando saímos da Europa há uns 6 meses “.

“ Não faz mal ... é só para o computador aceitar e emitir a sua autorização “.

“ a matrícula do aeroporto de Marina di Campo é EBA “  . Respondi constrangido.

“ Ok . Resolvido. Aqui está sua autorização de entrada no Brasil . Tenha uma boa estada no Brasil Comandante “.... e me entregou o papel.

Ainda estava perplexo segurando a autorização da Receita Federal quando chegou o Inspetor da ANAC. Ele pediu toda documentação da aeronave , os meus documentos da DCA Bermudas  minha licença ANAC e a autorização da Receita Federal. Ficou lendo tudo por uns 10 minutos enquanto eu aguardava .

“ Comandante a sua licença médica vencerá dentro de 1 mês”. Disse o inspetor depois de analisar toda papelada em detalhe.

“ Eu estou ciente. Já estou agendado para fazer  os exames no HASP (Hospital de Aeronáutica de São Paulo) na semana que vem. “ Respondi confiante.

O inspetor ficou em silêncio analisando a autorização da Receita Federal , quando sorrindo me perguntou de forma sarcástica :

“ Comandante... o senhor está de sacanagem ? quer nos convencer que veio voando de helicóptero monomotor de Marina di Campo , em Elba na Itália até o Brasil ? “

Quando ouvi aquelas palavras senti como se um vulcão estivesse entrando em erupção dentro de mim. Tive vontade de pegar o pescoço do inspetor com as duas mãos e esganá-lo até as minhas forças se exaurirem . Pensei que meus olhos fossem pular como bilhas de aço perfurando o cidadão a minha frente e naqueles 30 segundos de mudez eu pensei nos vários corruptos que enfrentei durante os quase 30 anos de profissionalismo que havia vivido até aquela data em várias atividades pelo mundo e sob um excepcional controle emocional , consegui responder :

“ Não senhor inspetor da ANAC. Eu não estou de SACANAGEM. Eu estou aqui há mais de 1 hora sendo inspecionado por vários órgãos estatais e repetindo a mesma coisa. Eu decolei de um Iate em Águas Internacionais no traves de Vitoria e pousei aqui. No entanto , se a limitação tecnológica dos nossos computadores ou a limitação profissional dos nossos funcionários públicos são incapazes de entender a situação me obrigando a informar oficialmente absurdos , o senhor vai me desculpar , mas quem está de SACANAGEM , não sou eu “.

O inspetor da ANAC parou de sorrir , assinou um papel e me entregou , dizendo :

“A sua aeronave está autorizada a voar no Brasil por 1(um) mês , até a validade do seu exame médico.”

Virou as costas e foi embora sem me cumprimentar.

Em qualquer país uma aeronave estrangeira quando entra no seu espaço aéreo mediante voo internacional , tem por regra autorização para ficar no país estrangeiro pelo período de 3 meses . Se ultrapassar este período , é obrigado a sair do país ou processar uma “importação temporária”.

Não me preocupei com a malcriação do inspetor, limitando a aeronave , a uma restrição do piloto. Eu faria o exame médico na semana seguinte enquanto o Seababoon faria inspeção de manutenção na Helibras , em São Paulo. Em menos de 1 mês nós estaríamos de volta ao Karima que estaria em Montevideo se preparando para a temporada de Patagônia (o Fim do Mundo).

A Permanência no Brasil

Cumpri meus exames no HASP. Estava em perfeitas condições médicas para continuar em segurança nas minhas atividades aéreas pelo mundo. Enviei o resultado para o DCA das Bermudas por meio digital que fez a revalidação imediatamente emitido a minha licença atualizada on-line. Do HASP atravessei a rua no Campo de Marte e fui visitar o Seababoon em fim de inspeção de 100 horas, na Helibras .

Tudo corria como planejado e resolvi passar a noite em São Paulo dedicando a noite a uma pizza de muçarela (única no mundo) na famosa Pizzaria do Bruno ne Freguesia do Ó. Desde criança quando morei em Santana nos anos 50/60, e me habituei todos os domingos a almoçar naquela pizzaria degustando, além da deliciosa pizza de muçarela  , a especial salada da casa com aliche. Teria sido um dia perfeito ao lado da minha Sereia Pi , se não tocasse o meu celular.

“ Pirata... o Karima está com problemas no canal de São Sebastião. Apareceu um grande vazamento pelo eixo que está embarcando muita água. Assim que o Seababoon estiver pronto vá para São Sebastião . Pode pousar no heliponto da Marina Igaracê, que está dando apoio ao Karima”

Era o Chefe me dando a ordem de fornecer apoio logístico a Nau Pirata em dificuldades em águas brasileiras. Isso teria várias alterações de planejamento e de burocracia para mim . O Seababoon só teria uns 20 dias de autorização de permanência em território brasileiro, segundo a ANAC. Eu teria que exigir o cumprimento da legislação internacional , sobre o VP-BFL , agora sem a limitação médica do seu piloto.

No dia seguinte fui a Helibras  fazer o voo de Check pós inspeção de 100hrs. Estava tudo perfeito . Fiz  o pagamento com cartão de crédito e decolamos eu e a Sereia Pi para o Guarujá.  A Sereia desembarcou e segui para a Marina Igaracê em São Sebastião. Lá conheci o Sérgio , proprietário, que prestava apoio ao Karima , fundeado próximo , dado ao seu tamanho (170 pés)  que impedia a atracação. O Karima estava adernado visando manter o local do vazamento (retentor do eixo) fora da água. Me reuni com o Capitan Roy, que havia assumido há pouco tempo. Já o Magiver (Claus) meu amigo e chefe de máquinas me deixou a par do tipo de apoio que deveria prestar. Deveria ir ao Rio de Janeiro pegar no Galeão os técnicos italianos que estavam chegando para analisar e resolver os problemas do Karima e depois ficar a disposição para o que fosse necessário.

No dia seguinte pousei no Galeão pagando um taxa internacional de pouso consideravelmente alta (comparada as que estava acostumado a pagar na Europa). Enquanto esperava a chegada dos técnicos italianos fui ao escritório da ANAC pedir  a extensão da autorização legal que a aeronave tinha direito de permanência no Brasil , de 3 meses .

“ Sem problemas comandante. Realmente a aeronave tem direito aos 3 meses de permanência. Basta o senhor fazer um requerimento de próprio punho e apresentar na sede da ANAC no centro da cidade , que no mais tardar em 5 dias úteis será analisado e provavelmente será autorizado , caso contrário o senhor deverá tirar a aeronave do território brasileiro “

Foi a instrução que o agente da ANAC me passou. Não respondi e fui buscar os técnicos italianos que estavam desembarcando. Me lembrei da corrupção que tive contato nos aeroportos do Suriname e Guiana (ex inglesa) com quem fui obrigado a me relacionar profissionalmente durante a minha temporada no Panamá. Afinal somos todos Sul Americanos.

Deixei os técnicos no Karima e acompanhei ansioso o andamento do trabalho mirando o último dia que estaria autorizado a voar com o Seababoon em território brasileiro. Nesse período de cerca de 10 dias voei freneticamente entre São Sebastião e Rio de Janeiro , prestando os mais variados apoios recebendo material e pessoal , vindos e indo para a Europa. Evitei o pouso no Galeão em função das taxas abusivas cobradas pela INFRAERO. Encontrei um local de apoio no Rio que seria muito mais barato, o Heli Rio que na época permitia pouso de helicópteros executivos na Barra da Tijuca a preços honestos. Além de mais baratos , evitavam a burocracia estatal do Galeão.

O tempo estava terminando e o os reparos do Karima evoluindo a contento. Me reuni com o Capitan Roy  e avaliamos a situação e tomamos a decisão: Tirar o Seababoon do Brasil , voando para Montevideo no Uruguai , no limite da autorização. Comunicamos nossa conclusão ao Chefe , que concordou e autorizou nosso plano. Chegando em Montevideo eu aguardaria a chegada do Karima.

Antes do dia para a saída do Brasil , ainda fui uma vez ao Rio de Janeiro para levar alguns tripulantes que estavam desembarcando. Pernoitei no Rio. No dia seguinte pousaria no Karima , embarcaria o Sergio (proprietário da Marina Igaracê) que pediu para me acompanhar no voo ao Uruguai , aproveitando a oportunidade da aventura.

No dia seguinte , já era janeiro de 2007  , o dia amanheceu com aquela bruma colada ao mar já minha velha conhecida de outras aventuras. Ainda bem que eu não estava no Galeão . Se estivesse,  não teriam me autorizado decolar . Provavelmente não estaria operando VFR ( visual). Já na Barra da Tijuca com o mar ao meu alcance, não foi difícil decolar mantendo uns 300 pés. O Humberto , meu fiel escudeiro (mecânico do seababoon) me acompanhava naquela empreitada.

Decolado tracei uma rota por cima d’agua no GPS, direta entre Rio de Janeiro e São Sebastião , mantendo 200 pés .  

Ao passar pelo traves da Barra de Guaratiba , sobre o mar com visual da pedra da tartaruga  já degradado pela camada que se adensava a minha frente , chamei o controle militar da Base Aérea de Santa Cruz :

“Santa Cruz... helicóptero AS350 b2 VP-BFL ... visual de Heli Rio na Barra da Tijuca para Motor Iate Karima no Canal de São Sebastiao.... mantendo 200 pés ... 120nós.....com 2 no POB.”

“ VP-BFL ... Santa Cruz ... mantenha-se em condições visuais e acione transponder código YYYY ... confirme nome do piloto e licença de voo”

Percebi que o controlador militar da Base Aérea de Santa Cruz ficou preocupado com o meu voo sobre o mar , em condições de voo visual com uma aeronave estrangeira em condições meteorológica degradada na minha altitude . Algo semelhante havia me ocorrido em 2002 na chegada ao Panamá.


“ Santa Cruz... VP-BFL ... Comandante Barreira ... licença ANAC PLA-H número XXXX... acionando transponder YYYY”.

quando disse meu nome e numero da licença ANAC , percebi que o controlador militar já me conhecia , de tantos voos realizados naquela rota , com o Colibri. Ele me cumprimentou.

Quando a bruma aumentou , diminui a velocidade para 60 nós diminui a altitude para 50 pés e ajustei o alarme de radar altímetro para 20 pés. Neste momento o controlador da torre de Santa Cruz percebeu pelo transponder a minha dificuldade e transmitiu :

“ VP-BFL .... Santa Cruz ... topo da camada a 2500 pés .... se preferir  ascender por segurança está autorizado e monitorado radar ....”

“Santa Cruz ... VP-BFL .... abandonando 50 para 3.000 pés .... na proa ...200°... 500 pés / minuto de ”Rate de Subida".  .

Transmiti e me concentrei nos instrumentos em total silêncio na cabine.  Cinco intermináveis minutos se passaram nestas condições , quando senti o sol clarear a cabine e transmiti sobre um tapete branco de nuvens por baixo.

“ Santa Cruz .... VP-BFL ... Em condições totalmente visuais ... estabilizado em 3000 pés...aumentando para 120 nós .... estima Ilha Bela em mais 48 minutos... obrigado pelo apoio”

“ Bom trabalho VP-BFL .... mantenhas as condições e acuse abandonando Santa Cruz ... bom voo comandante “

Desfrutando daquele visual impagável sobre o tapete branco pensei: “ estou ficando especialista em varar camadas com segurança voando aeronaves não homologadas, sem piloto automático. Tudo é uma questão de concentração e “scan” preciso e contínuo. Foi assim que meus mestres nessa arte me ensinaram na Marinha, inicialmente nos Bell Jet Rangers (IH-6) do HI-1, complementado nos Lynx (SAH-11) do HA-1. A esses “mestres” dedico o prazer que estava sentindo naquele momento. Havia sentido a mesma sensação ao cruzar a Cordilheira dos Andes e a serra do mar a bordo de um Colibri , os Alpes suíços e agora a Baia de Ilha Grande com o Seababoon .

Já com a bruma dissipada na proximidade de Ilha Bela , pousamos no Karima já estabilizado e se preparando para zarpar .

A saída do Brasil


No Karima embarcamos o Sérgio . O Capitan Roy estava satisfeito com nosso apoio logístico e marcamos um encontro em Montevideo. Desejamos mutuamente boa viagem quando decolei para um abastecimento no Guarujá (a Base do Colibri). A Sereia Pi , nos recepcionou. Enquanto o Humberto abastecia o Seababoon dei uns beijos na Sereia e nos despedimos com meu retorno sem previsão , como já era de praxe naquela época.

Decolamos eu nos comandos, o Sérgio ao meu lado curtindo uma de copila observando a navegação na tela do GPS e o Humberto confortavelmente instalado no banco de trás , como passageiro , para um voo direto, sobre o mar a 1000 pés previsto para 2,2 horas com destino a Itajaí na costa catarinense. Foi um voo tranquilo e exótico para o Sérgio em alto mar, sem visual de terra , na área mais distante 40 milhas náuticas da costa.

Pousamos em Itajaí . Enquanto o Humberto abastecia o Seababoon , Sergio e eu fomos ao terminal de passageiros do Aeroporto de Navegantes, cumprimentar meu grande amigo parceiro de outras aventuras , o Pirata Prático Paulo Ferraz . Foi um rápido e fraterno encontro.

Decolamos de Navegantes com destino a Porto Alegre. Seria um voo visual  de 2,5 horas em rumos práticos evitando condições meteorológicas adversas , comuns próximo a Serra Gaúcha /Catarinense.

Quando sobrevoávamos uma região de fazendas próximas ao pé da Serra na região de Criciúma , fomos atingidos por uma forte tempestade de granizo. Eu já havia enfrentado , em voo, várias tempestades  de água e até de neve, .... mas de granizo era a primeira vez. Quando senti o barulho das pedradas de gelo no para-brisa ,me assustei e preferi pousar no pasto de uma das fazendas. Ficamos dentro do Seababoon nos protegendo das pedras de gelo . Não demorou para aparecer uma picape oferecendo ajuda. Em pouco tempo estávamos cercados de picapes. A chuva parou e percebi que havíamos nos tornado atração turística daquelas simpáticas famílias rurais catarinenses. Nos confraternizamos. Agradeci a todos o oferecimento de ajuda e pedi que afastassem suas picapes, para minha decolagem . Inspecionei o Seababoon quanto a danos causados pelas pedras de gelo.  Nada de grave além de pequenas “mossas” na estrutura foi constatado. O seababoon sobreviveu dignamente ao ataque meteorológico da natureza. Decolei e pousamos no Aeroporto internacional Salgado Filho de Porto Alegre , já no crepúsculo. Dali faríamos a saída do Brasil no dia seguinte.

No meu planejamento eu havia previsto um problema para retirar o Seababoon do Brasil , a autonomia  de 2hs 45 min da aeronave. Para sair de um aeroporto internacional do Brasil (Porto Alegre) e chegar num Aeroporto Internacional no Uruguai (Montevideo ) eu não teria autonomia. A solução seria entrar no Uruguai via Aeropuerto Internacional de Melo, no Uruguai.

O aeroporto internacional de Cerro Largo, em Melo no Uruguai, localizado no pampa uruguaio próximo a fronteira Brasil/Uruguai há 1h 20 minutos de Porto Alegre   preenchia todos os requisitos de entrada de uma aeronave estrangeira, além de abastecimento. Era perfeito para mim.

Apresentei meu plano de voo internacional que foi aceito sem restrições pelos órgãos de controle brasileiros, para minha surpresa.


A entrada no Uruguai



Decolei e depois de uma hora de voo , ao cruzar a fronteira chamei o controle do Uruguai. Não obtive resposta. Imaginei que seria a minha baixa altitude de voo (500 pés) . Estava com meu transponder acionado no código alocado no plano de voo , num dia lindo com total visibilidade , por isso não me preocupei, e continuei o voo .

Ao me aproximar do aeroporto de Cerro Largo chamei na frequência prevista em todas as publicações oficiais.


“Cerro Largo ... VP-BFL ... buenos días ... helicóptero AS350 ... visual ... desde Porto Alegre Brasil ... a Melo ... con 3 en el POB .... 500 pies .. .120 nudos ... 15 minutos para el circuito ... instrucciones.”

Aguardei contato e ... nada. Prossegui o voo e ao ver a pista repeti a transmissão acrescentando que estava transmitindo “AS CEGAS”, já no circuito para pouso. Não obtive resposta. Sobrevoei o aeroporto que estava completamente vazio e sem nenhum tipo de movimento. Preocupado, resolvi pousar economizando combustível.

Pousado, tive a sensação de estar num filme de suspense. O aeroporto parecia ser fantasma . Não havia ninguém. Me aproximei de um , único pequeno prédio, que parecia ser o terminal. Nele, havia um papel na porta , fixado por fita adesiva , dizendo:

“Si necesita ayuda llame al número” ... e seguia-se um número telefônico.

Peguei o celular e liguei o número indicado. Alguém atendeu gentilmente, com voz feminina. Eu me apresentei e aguardei a resposta que veio depois de alguns segundos com uma voz gentil masculina.

“Encantado de conocerlo, Comandante ... mi nombre es Juan y estaré allí en 10 minutos ... gracias”.

O telefone foi desligado e eu fiquei pasmo , sem ação. Aguardei e 10 minutos depois o Juan chegou pedalando uma velha bicicleta.

Nos cumprimentamos e ele se antecipou dizendo que o Pablo estava a caminho para fazer a papelada de ingresso no Uruguai...e para operar o abastecimento de QAV do Seababoon.

O Pablo chegou e 1 hora depois eu estava com toda documentação aduaneira, sanitária e policial necessária , além do Seababoon abastecido com QAV de boa qualidade , atestado pelo teste efetuado por um Humberto desconfiado. Efetuei um plano de voo visual para Montevideo, que o Juan aprovou imediatamente , me fornecendo um código transponder.

Guarnecemos a aeronave e chamei a “rádio Cerro Largo”. O Juan atendeu prontamente e autorizou minha decolagem desejando boa viagem . Decolei e ao fazer o circuito fiz uma passagem baixa observando o Juan junto ao Pablo acenando para nós da porta do pequeno prédio. Próximo a eles havia uma mulher e me surpreendi .

“ Aquela é a Eleonore , mulher do Pablo . Ela me entregou um bolo de milho para nossa viagem enquanto o marido estava abastecendo o Seababoon“

Era o Humberto esclarecendo a minha surpresa pelo comunicação interna da cabine.

“Vou sentir saudade da PACATA e PROGRESSISTA MELO “......disse o Sérgio pela fonia interna.

Permanecemos calados abordo pela hora seguinte de voo monótono sobre os extensos pastos do pampa uruguaio. Eu pensava em qual seria a razão para ter um aeroporto “internacional” em Melo , e naquelas condições. Imaginei várias possibilidades , mas acabei deixando pra lá...meu problema estava resolvido . Chamei a torre de “Carrasco” pela segunda vez . A primeira havia sido em 1982 , quando a bordo de um LYNX SAH-11 a bordo da Fragata Independência, participando de uma Operação Fraterno , tínhamos que decolar para fazer um voo Check pós troca de motor, em águas territoriais uruguaias , na entrada do Rio da Prata.

“Carrasco ... VP-BFL ... buenas tardes ... helicóptero AS350 ... visual ... de Melo a Montevideo ... 500 pies ... pista en el visual ... instrucciones”

“ VP-BFL... Carrasco... Buenas tardes ... te tengo en mi vista ... te informo viento tranquilo .... libre aproximación directa ... cabecero 19”.

Pousamos tranquilos. Apresentamos toda documentação fornecida em Melo. Estava tudo correto. O Sergio ficou no aeroporto para pegar um voo comercial para São Paulo . Eu e Humberto fomos para um hotel aguardar a chegada do Karima dali há alguns dias, fazendo turismo pelo belo Uruguai, país conhecido como “ A Suíça sul-americana”. (deve ser em função da falta de “burocracia estatal”...pelo menos em 2007).

Alguns dias depois , num domingo , decolei de Carrasco e me aproximei para pouso no Karima. Percebi um agito turístico na praia da Enseada de Ramirez. Imaginei que seria para acompanhar o meu pouso a bordo do Karima. Não era !... logo atrás se aproximava o iate OCTOPUS  , do Paul Allen (maior iate do mundo na época).


Por que será que o Paul Allen preferiu atracar em Montevideo ...e não no Brasil ?
... mas o KARIMA atraca...

6 comentários:

  1. Os flanelinhas aduaneiros e os anarquianos (hj melhoraram) estavam sempre atentos...Kkk. Pensando bem, vc queria o quê? Vc era um alienígena para os agentes, pra que simplificar se poderiam complicar? Mas o que importa é que tudo terminou bem. Lendo a historinha, já estava quase que adivinhando que ao final a meteorologia também cumpriria sua parte arenosa, como que seguindo a forte burocra brasileira. Abçs e na escuta para a próxima!!

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    1. Meu caro fiel amigo seguidor da Pirataria Alado ... Pirata Compa!
      Obrigado por mais este apropriado comentário.
      Hoje, acredito que tenham se adaptado. Não posso analisar porque estou..."retirado" de aventuras aladas, No entanto como cidadão comum (não alado) ainda sinto consequências da "burocra" excessiva que estamos sujeitos, basta viajar ao exterior que podemos constatar. Na minha humilde opinião de cidadão brasileiro me sinto sendo tratado sob controle estatal , tal como um "servo" da ditadura judicial implantada desde 1988 onde nem a "liberdade" de escolher o meu líder eu tenho . Sou "obrigado" a apertar um botãozinho (caso contrário sou multado) e "escolher" uma das opções que me são apresentadas (mesmo que eu não deseje uma delas). Se eu tentar me manifestar apertando o botãozinho "preto", minha opção é classificada como "invalida"... ou seja...me sinto como um cidadão "invalido" ... ou "sevo fora da manada"!
      Viva a Burocracia Estatal ! Saudade de Melo no Uruguai.
      Forte abraço

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  2. E assim, através do Piloto Alado, vamos conhecendo as histórias das suas viagens que, à princípio, nos parecem tão simples, até tomarmos conhecimentos da realidade.
    Também estarei na escuta para a próxima rsrsrs
    Curto muito!

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    1. Meu caro "Unknown".
      Obrigado por "curtir muito" as histórias do Pirata Alado.
      As realidades que vivemos nas atividades aéreas (e por vezes no nosso dia a dia) ficam em determinadas situações, "camufladas" por interesses escusos, sejam por ganância, ostentação ou por vaidade profissional. São muitas as razões que levam a sociedade a fazer de conta que não existem. Como pirata é um ser que não precisa se comprometer com a realidade , ele apenas "levanta" o tapete para que a sociedade pense sobre o que existe debaixo dele. Cada um que interprete...se é só poeira , ou se tem algo a mais. O livre arbítrio deve ser exercido. Portanto , caro (a) leitor (a) mantenha-se na escuta.
      Até a próxima .
      Forte abraço (cuidado com o gancho da mão esquerda)

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  3. Mais pra conta das leituras. Beijo pro Pirata e Pra Sereia

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    1. Desfrute a leitura ... Pirata e Sereia retribuem com alegria os beijos

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Estou tentando regularizar "os comentários postados"
Solicito que os comentários tenham identificação no próprio texto.
Obrigado.👍👍
Pirata Alado