Hoje vendo uma reportagem televisiva no canal NATIONAL GEOGRAPHC, sobre ilhas da costa brasileira, sendo a mais preservada; a Ilha de Alcatrazes, me reportei ao tempo que operei nesta ilha, apoiando como aviador as operações Navais (militares) e Marítima (civis), em períodos diversos.
A função das aeronaves Lynx embarcadas, consistia em: Transportar os observadores para a cabana no topo da ilha, fazer uma “varredura” visual em todo perímetro, garantindo que não havia ninguém na área, confirmando a segurança para início do exercício. Ao término, a aeronave recolhia o “spotter” e sua equipe, devolvendo-os aos seus navios.
Por vezes a aproximação do heliponto de desembarque do spotter no topo da ilha era dificultada pela quantidade de gaivotas que sobrevoavam a área sem “arredar”, pairando em voo contra o vento ascendente do paredão da ilha (mesmo vento que permitia o “meu “pouso com segurança). Eu aproximava muito devagar (quase pairando em voo) tentando achar uma “brecha” entre a população alada das gaivotas (nós já nos conhecíamos há tempos). Elas davam passagem respeitosa ao Lynx.
Outra dificuldade nesta atividade, era quando uma pequena nuvem se formava no topo da ilha, tirando a visibilidade na aproximação, impedindo o pouso. Quando isso ocorria, por vezes, eu usava o recurso de pousar na Lage próxima, e sem cortar os motores do Lynx, observava por alguns minutos uma rápida abertura das nuvens para pousar e resgatar o spotter e sua equipe. Na maioria das vezes, eu obtive sucesso. No entanto, pelo menos em uma das vezes, muito próximo ao pôr do sol, essa rápida abertura das nuvens não ocorreu. A noite chegou e a escuridão me obrigou a abortar a missão. O topo da ilha não era um aeroporto homologado para operação IFR (Voo por instrumentos) noturno.
- Spotter aqui Lince 01 ... recolhimento aéreo impossível, tenham um boa noite em Alcatrazes. Até amanhã.
Transmiti, o que me era possível dizer, sabedor que a equipe dispunha de uma pequena cabana para esses casos, com alimentação necessária e lugar abrigado de animais peçonhentos, com camas de campanha para dormirem.
Completando meus 30 anos de Marinha, passei para a reserva realizado profissionalmente, mas com poucos recursos financeiros no bolso e com muita experiência (além de muitas estórias para contar).
As Operações Marítimas ocorreram ao acaso. Alguns meses no ostracismo profissional tentando pôr em prática algumas ideias exóticas, tipo vender uma invenção minha batizada de “Beach Bag” na praia (com algum sucesso), recebi uma ligação de um número desconhecido que atendi.
- Você é o Comandante Barreira? Disse a voz do outro lado da linha.
- Sim. Respondi
- Você gostaria de operar um helicóptero a bordo de um Iate catamarã, de propulsão Hidro jato, de 90 pés? Foi a proposta que recebi.
A partir desse ponto algumas informações foram trocadas e dois meses depois, eu havia desistido da atividade de camelô de praia que estava exercendo (com algum sucesso) e estava contratado por um grande empresário do ramo de cervejas, para assessorar a construção do Iate que estava construindo ( que viria a se chamar “Arpoadora” ) e fazendo o curso de qualificação do helicóptero que ele havia adquirido na Helibras, um EC-120 Colibri. A partir daí tudo começou a funcionar. Descobri que na atividade civil ( como Aviador Executivo), a minha experiência de Marinha tinha valor e os recursos financeiros poderiam oferecer um pouco mais de conforto para minha família.
Nesta época eu fixei residência em Santos. O meu novo patrão residente em São Paulo recomendou que o Colibri (que eu havia recebido), ficasse baseado no Guarujá num hangar privado com heliponto, enquanto o Iate Arpoadora não ficasse pronto, em construção no estaleiro PROBOAT no Rio de Janeiro. Assim, meus deslocamentos para o Rio seriam rápidos, bem como o apoio ao patrão em São Paulo. Planejamento perfeito.
O meu patrão tinha por “hobby” a “caça submarina “(ele dizia que “pesca submarina” é predatória contra os princípios dele, porque era feita por pescadores equipados com bujões de ar comprimido, enquanto a caça dele era feita em apneia, apenas para alimentar a família, como os selvagens antigos e, eventualmente, bater recordes mundiais desta prática esportiva). Eu acreditava e testemunhei muitas refeições familiares (e alguns recordes mundiais). O patrão sempre foi bom nisso (e em outras atividades). Posso garantir.
- Comandante estou descendo para o Guarujá. Manda a Flor do Cabo se posicionar próximo da Ilha de Alcatrazes, que estou descendo para caçar o meu jantar! Estarei aí daqui há 2 horas.
Essa era uma missão típica no início dos anos 2000. A Flor do Cabo era uma Lancha catamarã de 50 pés ( sem heliponto), de apoio a caça submarina, baseada no Iate Clube de Santos. Era um dia de semana por volta do meio-dia. Isso significava que as atividades no escritório em São Paulo, não iriam precisar a presença física dele. Ele viria com seu helicóptero executivo DAUPHIN, decolando do heliponto de prédio do escritório paulistano, pousando na minha Base no Guarujá, onde eu estaria já com motor do Colibri acionado. Ele tiraria a roupa de trabalho e vestiria uma bermuda e camiseta, durante o voo de São Paulo. Trocaria de aeronave no Guarujá e decolaríamos para as proximidades da Ilha de Alcatrazes. Ao avistar a Flor do Cabo, eu deveria me aproximar, baixar o máximo que eu pudesse em segurança.
Ele pularia do helicóptero no mar. Quando retornasse a superfície me sinalizando com um OK , eu estaria liberado para regressar para o Guarujá. Ele voltaria (depois de caçar o jantar) a 35 nós na rápida Flor do Cabo, embarcando no DAUPHIN no Iate Clube de Santos, retornando para jantar, a base de peixe, com a família em São Paulo. “ Simples assim “... só que não!
- Comandante, você já pousou na Lage de Alcatrazes? O Chefe me perguntou quando nos aproximávamos da Ilha.
- Já, algumas vezes de Lynx. Respondi orgulhoso.
- Então pousa lá ... e corta. Foi a ordem que recebi.
Atônito com a ordem recebida perguntei:
- Mas cortar ...? pra quê? Indaguei perplexo, sem entender nada.
- Para me esperar ... ora essa... Me respondeu sem mexer uma ruga no rosto.
Pousamos com todo cuidado buscando uma área plana de pedra da Lage... desliguei o motor e freando rotor preocupado. Olhei o perímetro da laje coberta de marisco com pequenas ondas quebrando e imaginei: - Nenhum barco consegue atracar aqui. Como ele vai sair daqui?
O Chefe puxou do bolso um par de luvas de borracha e me mostrou. – Isso é pra gente voltar pro Colibri. Vamos!!!
-VAMOS??? Perguntei sem entender nada.
- Você está com medo de pular n’agua? Se não ... tira a roupa e pula n’agua depois de mim!
Apavorado ainda tentei alguma coisa.
- ... Chefe ..., mas “pelado “? ... e o Colibri? largado aqui, sem ninguém tomando conta? ... e se a maré subir? ... e se ......
Ele me interrompeu ...
- Ta com vergonha de ficar pelado? ... só tem homem aqui ... e você não vai querer pilotar com o uniforme molhado na volta ... né? O Colibri vai ficar quietinho aí ... ninguém vem aqui pra roubar o helicóptero.... e a maré eu já estudei, ela está vazando. Disse. Saiu correndo e deu um mergulho evitando os mariscos da borda da Laje.
Tirei meu uniforme de voo (bermuda, camisa polo e dockside, além da cueca... e pulei n’agua evitado os mariscos. Voltar seria problema para depois.
A Flor do Cabo se aproximou e nos recolheu da água. Ao embarcar ganhei uma bermuda e uma toalha para me enxugar, agradeci e cumprimentei toda tripulação. Eles acharam tudo normal. Rapidamente, o patrão, se vestiu com roupa de "Neoprene", pegou arpão, óculos acoplados ao snorkel , pés de pato ... e pulou n’agua. Subiu e desceu algumas vezes e depois de uma hora de tentativas, voltou ao barco puxando o cabo do arpão. Na ponta do cabo havia um belo Atum. Mandou cortar ao meio e botar num iglu com gelo, uma das metades( a outra era para tripulação) e me disse: - Vamos embora meu jantar está aqui. Foi aí que me dei conta de como seria o reembarque no Colibri. Como subiria na Lage cheia de mariscos na borda?
Percebendo a minha cara de pavor, o Chefe me jogou um par de luvas de borracha com ventosas nas palmas e nos dedos, e disse.:
- Pode levar a bermuda para proteger as “partes baixas “dos mariscos. Fica próximo da borda da Lage esperando a Flor do Cabo passar perto em velocidade fazendo uma grande marola, que vai aumentar o nível da água, e te empurrar para a Lage, por cima dos mariscos. Quando a água for recuar, apoia com força as mãos espalmadas na pedra da Lage, e se levanta. Pronto estaremos na Lage ... prontos para decolar, depois que você vestir seu uniforme, seco! Eu vou na frente e você observa! Depois você faz igual. Alguma dúvida?
- Não. Respondi meio na dúvida.
Executamos o plano com requintes de perfeição. Quando dei partida no Colibri, decolei rasante a água, fiz uma curva com ângulo acentuado passando bem próximo da Flor do Cabo, já em boa velocidade. O patrão prestou uma continência em direção a tripulação perfilada, que retribuiu da mesma forma, olhou pra mim com semblante de satisfação sem dizer uma palavra, aprovando a decolagem com o olhar. Pousamos no Guarujá, onde o Dauphin já aguardava acionado. O patrão e seu iglu com Atum fresco embarcaram decolando para São Paulo, quando o sol já se escondia por traz dos prédios de Santos.
Com este cenário na mente, diante da minha televisão ligada na NATIONAL GEOGRAPHC, pensei:
Acho que na época, encontrei o emprego que sempre quis, com um patrão que sempre me quis.
Que bom que a Marinha conseguiu durante anos , que a pesca e o turismo predatório se mantivessem distantes de Alcatrazes, para hoje a Ilha de Alcatrazes ser reconhecida como a Ilha mais preservada da Costa do Brasil, por uma emissora estrangeira.
Espero que hoje, os Órgãos Públicos responsáveis não cedam aos interesses imobiliários e turísticos, gananciosos e consigam resistir para manter “A preservação da Ilha de Alcatrazes “, sem precisar dos tiros “inertes “da MARINHA. Os peixes, gaivotas e natureza em geral ... agradecem!
Assim, as Operações Aero Navais / Marítimas se passavam durante um período profissional num País que se desenvolvia , se divertia e era respeitado no mundo. Já hoje .... tudo isso seria inviável em nome da "LIBERDADE"....da " JUSTIÇA."...e principalmente da "POLÍTICA ".
Viva a Pirataria Alada !!!
Fraterno abraço do Pirata à toda humanidade ....
Meu particular agradecimento ao meu amigo CMG Carlos Marcello Ramos e Silva da RMB .
"BRAVO ZULU " (missão cumprida )