terça-feira, 15 de abril de 2025

Veterano....e o Bell 206




Amigos da Pirataria Alada ... meu cordial Bom-dia

Hoje, incorporando o VETERANO, de tantas recordações, triste com o recente acidente aéreo em New York, resolvi contar o meu relacionamento com o " belzinho piaba " como nós Aviadores Navais. carinhosamente, conhecemos o Bell 206.


O site da FAB ( Força Aérea Brasileira) , publica este texto sobre o Bell 206A

O BELL 206A é um helicóptero leve, com capacidade para três tripulantes e dois passageiros, destinado a missões emprego geral e transporte presidencial. Voou pela primeira vez em 1966 e figura entre os helicópteros de maior sucesso de todos os tempos.

A Força Aérea Brasileira utilizou 17 helicópteros “Jet Ranger” em missões de emprego geral e transporte de autoridades, de 1969 a 1992. O exemplar em exposição (matrícula FAB 8571) serviu à Presidência da República de 1969 a 1992, quando foi desativado e enviado para a Escola de Especialistas da Aeronáutica, como recurso para a instrução, sendo transferido para o Museu Aeroespacial em junho de 2000.


A minha particular história com essa maravilhosa aeronave começou em 1966 quando a aeronave fez um " tour " de demonstração pela América do Sul comandado por um piloto americano do fabricante.

Uma dessas demonstrações ocorreu no Campo de Marte em São Paulo, quando meu pai ( oficial da FAB) era um dos convidados pelo piloto americano à alguns oficiais para desfrutarem de um voo sobre São Paulo.

Eu , garoto de uns 11 anos que vivia por lá (desfrutando a convivência  com aquelas maquinas voadoras ) quando meu pai  perguntou se eu podia acompanhá-lo neste voo " turístico" . O piloto americano autorizou de bom grado.

Decolamos do Campo de Marte no sentido da pista 30 e fizemos um circuito pela direita sobrevoando o bairro de Santana ( onde eu morava) . Quando sobrevoamos a minha casa , me emocionei olhando pra baixo . O piloto gringo percebeu minha emoção e disse no seu “portunhol” típico de vendedor gringo :

- Eih boy ! mostra onde sua casa !

Eu apontei enquanto ele baixava a altitude e velocidade dando um sobrevoo ( quase pairado ) sobre a minha casa. Percebi , minha mãe saindo ao terraço de casa abanando para o helicóptero a baixa altitude. Ela não sabia que eu estava a bordo acenando de volta.

No regresso para pouso no campo de Marte eu pensava calado ,internamente : - É isso que quero fazer na vida !

Já pousados , com o Bellzinho com rotor parado , desembarcamos e o piloto gringo desceu e me chamou .

-Eih boy ...gostou ? ustê ser primeira criança a voar um Bell 206 no mundo . Congratulations !

Meu EGO infantil transbordou confirmando aquilo que havia pensado calado em voo.

O tempo passou rápido. Em 1969 , quando a FAB começou a operar o 206 e com minha decisão tomada no alto dos meus 15 anos , comuniquei ao meu pai minha decisão .

- Vou prestar concurso para EPCAR (Escola de Preparação de Cadetes do Ar ). Disse ao meu pai.

- Você vai ser o que quiser , menos piloto da FAB. – disse meu pai autoritariamente .

Não entendi nada, mas não questionei. Sabia que meu pai “oficial especialista não aviador “ deveria ter seus motivos . Sabia que ele tinha grande admiração pela Marinha , adquirida durante as patrulhas anti submarinas que ele realizavam a bordo dos Catalina da FAB observando os Navios da Marinha do Brasil atacando os Submarinos Alemães , por vezes com sucesso.


Sem saber as razões da decisão dele , mudei a minha : - Então vou prestar concurso para o Colégio Naval !

Ele ficou feliz e eu triste porque nunca tinha entrado num navio e não sabia que a Marinha tinha uma Aviação Naval ( com helicópteros ).


Foram 6 anos de estudos (Colégio e Escola Naval). Já formado passei 2 anos a bordo de Navio Patrulha Fluvial ( o Roraima no caso) optei pela especialização de Aviador Naval . Era um concurso médico , físico e psicotécnico de poucas vagas . Por sorte fui selecionado, e fui para São Pedro da Aldeia. Foi a primeira realização em 1979 quando me deparei no HI-1 ( Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Instrução ) com qual era a “ferramenta “ de instrução , o Bell Jet Ranger 206 !


Ao iniciar a parte prática do curso , o voo efetivamente , depois da longa parte teórica no CIAAN (Centro de Instrução e Adestramento Aero Naval ) que envolveu várias matérias afins como aerodinâmica, aerotécnica, meteorologia , navegação aérea , tráfego aéreo visual e instrumento , além de exercícios reais de combate a incêndio , e sobrevivências na selva e no mar . Visitas técnicas ao COMDABRA e CINDACTA , em Brasília e a CTA , ITA e EMBRAER em São Jose dos Campos. Ou seja, eu estava teoricamente pronto para aprender a pilotar o Bell 206, depois do “ground scool”, no HI-1.


Ao iniciar os voos do estágio ALPHA ( o primeiro pilotando ) tive a sorte de ter sido o primeiro aluno da turma a dominar o Bell 206 , dando confiança ao instrutor responsável a me perguntar :

 - Aluno você considera que está pronto para voar sozinho ?

- Claro ! Foi minha resposta imediata.

Ele desceu do helicóptero

- Então decola sozinho , faz um circuito completo e pousa exatamente aqui no quadrado da área de instrução . Disse o meu “pai de aviação “ Capitão Tenente ( AvN - Fuzileiro Naval ) Castanheira.

Eu acabava de me tornar um piloto qualificado em Bell 206 , de acordo com as exigências civis do, na época , DAC ( hoje ANAC ) , mas para a Marinha ainda , eu não era um Aviador Naval (teria que completar a parte operativa da Marinha que implicava pouso a bordo , voos a baixa atitude diurno e noturno , voos por instrumento , voos em altitudes pouso em áreas restritas ( com o Bell 206 ).


Por haver uma cerimônia em terra para o primeiro aluno a “solar “ a aeronave que consistia em um banho de óleo iniciado pelo Almirante Comandante da Força Aeronaval , conhecida como “batismo”, me preparei emotivamente . Comentei com os amigos de curso, que o “ Boy” que havia sido a primeira criança a ter voado um Bell 206 , agora seria o primeiro jovem da turma a se qualificar como piloto de Bell 206.


Foi o suficiente para que os meus “amigos” providenciassem um cartaz que deveria portar na cerimônia de batismo , pendurado pelo pescoço onde dizia “ BABY BELL “ ,além de estar vestido apenas com uma grande frauda . Assim fui “besuntado “ de óleo , orgulhosamente.

O estágio BRAVO ( operativo ) se iniciava , agora com todos os outros instrutores (não só com o meu “ pai de aviação “)

Entre outros voos operativos , um deles era o de “altitude “. Este voo exigiria ascender até 10 Mil pés , sobre a área de instrução da Marinha , próximo a Cabo Frio. Para tal tínhamos que ter autorização de controle de tráfego do Centro Brasília , por ser uma altitude controlada sendo utilizada por aeronaves voando IFR (instrumento). O dia estava claro sem nuvens e fomos autorizados a subir , mantendo a frequência daquele órgão. O meu instrutor na posição de 2P ( copiloto instrutor) mantinha a frequência do Esquadrão HI-1.

A subida de 1 Mil para 10 Mil pés no regime de subida padrão do Bell 206 (500 pés por minuto) levou pelo menos 18 minutos até atingir a altitude do exercício. Nessa altitude o comportamento de um helicóptero é completamente diferente em função do “Ar Rarefeito” que atua tanto na sustentação aerodinâmica , quanto na potência do único motor (turbina ) da confiável Allison que equipava o 206.

Neste momento o meu instrutor CT EWERTON ( AvN - Fuzileiro Naval) , recebe uma ordem pela frequência radio do Esquadrão HI  (setada só no radio do instrutor , enquanto eu mantinha contato com o Controle Brasília ,no meu radio ) de regressar ao Esquadrão por estarmos atrasados pela demora na subida , sugerindo que entrássemos em Auto Rotação ( manobra de descida em caso de perda de motor ) . Para tal deveríamos colocar o motor em” ralanti “( na manete de combustível “ponto morto” sem potência ).

Comuniquei minha intenção de executar esta manobra ao Centro Brasília que autorizou . Ao manobrar a manete de combustível para “ralanti “ .... Piii Piii Piii alarme vermelho no painel de ENG OUT . Havíamos apagado o motor ! Neste momento deixou de ser treinamento e passou a ser "emergência real ".

O Ewerton assumiu os comandos quando entramos em auto rotação a 10 mil pés .

Sem problema o Bell 206 desce nestas condições com facilidade de comandos , inclusive por ser bi pá de boa sustentação em condições normais (mas não com ar rarefeito naquela altitude ).

Recebi a ordem do meu instrutor no controle dos comandos na posição de 2P (copiloto) . Nessa posição não há no coletivo o botão de “start”, então caberia a mim (aluno) dar uma partida em voo , atividade para qual eu não havia sido preparado ainda .

Já estávamos a 8 mil pés quando executei a partida patrão (em terra ). Apertei o botão de start , quando atingiu a rotação de Ng (rotação da turbina de gás acionada pelo gerador abri a manete de combustível , observando a temperatura gerada dentro da câmara de combustão ( TOT ). Levei um susto , quando a temperatura de TOT , imediatamente atingiu o “limite máximo” do instrumento 1000 °C . Cortei imediatamente o combustível apagando novamente o motor . Havia dado uma partida “quente” (imperdoável, mas perdoável para um piloto em formação e ainda mais naquela altitude com ar rarefeito )

- PÔ ... você apagou de novo o motor ! - foram as palavras duras do meu instrutor ;

- Apaguei porque o TOT atingiu 1000 °C e se continuasse poderia explodir o motor em algum momento. – Foi a minha resposta .

- Vamos dar uma partida monitorada . – Foi a ordem seguinte do instrutor quando já havíamos atingido 5 MIL pés se aproximando da nossa Base Aérea em São Pedro da Aldeia .

Declaramos emergência para o controle “ Macega “ que já mantínhamos contato .

Cumprindo as ordens , apertei o botão de start , aguardamos o valor de Ng , quando o Ewerton foi abrindo a manete de combustível no coletivo de 2P “ monitorando a vazão de combustível , controlando a temperatura de TOT , dentro dos limites normais quando já atingíamos a altitude de tráfego aéreo de SBES (nossa Base ).

Observei em terra toda movimentação de segurança , bombeiros , ambulâncias e todos os hangares com tripulação preparadas para ajudar no que fosse solicitado .

Declaramos aproximação normal para a pista , por segurança com motor funcionando.

Pousamos sem problemas e cortamos o motor , já condenado a inspeção (pelo menos) pela “partida quente” , sem maiores danos .

Foi aberta uma investigação por “incidente aeronáutico “. Na conclusão , o maior “fator contribuinte “ , foi a tentativa de executar treinamento de auto rotação a 10 mil pés por condições de rarefação do ar nessas condições . Em função deste apagamento , a Bell fez constar no manual a proibição de executar esse treinamento nessas condições .

Eu como , recente batizado de “BABY BELL “ pelo Esquadrão HI-1, fiquei satisfeito de saber que havia protagonizado como um dos pilotos envolvido no primeiro apagamento de motor em voo de um Bell 206 ( pelo menos no Brasil) e pousado com segurança , contribuindo assim para que não ocorresse novamente .


Aprendi muito nessa aula com meu instrutor CT Ewerton ( AvN-FN ) , como manter a calma em situações difíceis e tomar decisões corretas preservando vidas (prioritariamente ) e de material público , quando possível.

Me formei Aviador Naval , depois de 1 ano de curso tendo voado o Bell 206 no HI-1 , e pedi para fazer parte do DAE FLOTAM (Destacamento Aéreo Embarcado da Flotilha do Amazonas ) criado naquele ano do recebimento da minha ASA de Aviador Naval pilotando o Bell 206 . Eu havia passado 2 anos navegando por “todos” os rios da região , portanto conhecendo todas as “características “ amazônicas . Não fui atendido . Como bem classificado no curso de formação , a Marinha resolveu me presentear com um prêmio me enviando para o recém-criado Esquadrão HA-1 (Primeiro Esquadrão de Esclarecimento e Ataque Anti Submarino ) . Fui o único recém-formado enviado para aquela Unidade .


O HA-1 , operava com aeronaves SAH-11 (WG 13) LYNX da Westland inglesa . Eram aeronaves moderníssima a época (praticamente protótipos só operados pela Royal Navy e pela Marinha do Brasil ) . Como todo bom protótipo sofisticado , este também apresentou vários problemas , principalmente em relação aos novíssimos motores GEM 2 ( projetados exclusivamente para o WG 13) . Esses motores apagavam em voo (sem aviso prévio) . A sorte é que nesta aeronave havia 2 motores , não sendo necessário adotar auto rotação imediata , mas era uma emergência porque a aeronave permanecia em voo com apenas 1 motor , mas não foi projetada para operar nestas condições.


Ao longo dos muitos anos que operei no HA-1, desfrutei de 4 apagamentos de motor em voo conseguindo pousar monomotor a bordo das Fragatas da Marinha (inclusive um noturno ) em segurança e sem nenhum dano (pessoal ou material ).

Eu havia deixado de ser o BABY BELL , para ser um LINCE ARPOADOR. .... esse foi o meu prêmio de formatura no HI-1 ( talvez porque eu havia participado do primeiro apagamento de motor em voo de um BELL 206, com pouso em segurança) .


O BELL 206 se tornou para mim um grande “ antigo amor mecânico" (o primeiro a gente nunca esquece ) e posso afirmar que sempre foi uma aeronave extremamente segura por tantos anos , estatisticamente .


A ocorrência recente em Nova York, em princípio , é absurda e inexplicável como pode ter ocorrido envolvendo esta aeronave , mas como nada na aviação é “inexplicável “ tenho convicção que após as investigações técnicas forem concluídas, os fatores contribuintes serão divulgados , sejam técnicos ou humanos , como já disse um conhecido Aviador / escritor Richard Bach : “ Nada por Acaso “.

Minha profunda condolência aos familiares desta tragédia nova-iorquina , envolvendo o meu primeiro amor mecânico o Bell Jet Ranger 206 .

Meu particular agradecimento ao CMG ( AvN-FN) Ewerton pelo ensinamento e tranquilidade em uma emergência real que acabou se traduzindo num final feliz.

 Fraterno abraço a todos leitores  , do Veterano Pirata Aldo.


quinta-feira, 3 de abril de 2025

Pirata... e o " Windhuk "

 



Amigos da Pirataria Alada meu cordial Olá 

Passada a fase da série familiar " Vovô e Netinha" (agora uma moça debutada), voltemos a " pirataria" de fato. Assim sendo resolvi piratear uma estória do livro que ganhei de Natal da minha Filhota ( agora em nova fase profissional , menos Global).



"HITÓRIAS 

DO MAR" 

200 casos verídicos 

escrito por Jorge de Souza.



Estou pirateando esta estória porque além de interessante envolve o porto de Santos e explica muita coisa sobre a influência da migração estrangeira que influência até hoje a cultura do Paulista.

Portanto curta esta estória do Jorge de Souza :


O porto de Hamburgo estava particularmente agitado na manhã de 21 de julho de 1939. Entusiasmados com a boa performance da economia alemá, depois da crise desencadeada com o fim da Primeira Guerra, e embalados pelo forte sentimento nacionalista que tomava conta do país nos dias que antecederam o início de um novo conflito mundial, mais de uma centena de passageiros preparava-se para embarcar em um longo cruzeiro de ida e volta à África, a bordo de um dos melhores transatlânticos alemães da época: o Windhuk ("canto do vento", em alemão). O navio era tão luxuoso que tinha uma tripulação quase duas vezes maior que o número de passageiros: 250 tripulantes, quase todos tão alemães quanto o próprio comandante, Wilhelm Brauer.

A viagem estava prevista para durar 60 dias, com escalas em diversos países da Europa antes de descer até Moçambique, de onde o navio regressaria ao mesmo porto da Alemanha. Mas o Windhuk jamais voltou embora nenhuma tragédia tenha acontecido naquela viagem. Ao contrário, ela teve um final feliz para todos os  tripulantes do navio, mesmo tendo o Windhuk ido parar do outro lado do Atlântico, no porto brasileiro de Santos, cinco meses depois.

 Quando em 1 de setembro de 1939. a Alemanha invadiu a Polônia dando início a Segunda Guerra Mundial. O Windhuk estava atracado no porto da Cidade do Cabo na África do Sul. com seus passageiros aproveitando as mordomias de bordo, que incluíam uma requintada gastronomia. Mas a ordem era clara: o Windhuk deveria sair imediatamente daquela então colônia inglesa e retornar à Alemanha. Avisados, quase todos passageiros  decidiram desembarcar ali mesmo, ficando a bordo apenas tripulantes , exceto иm deles, que havia saído para passar em terra seu dia de folga e não conseguiu voltar para o navio a tempo.


As 22 horas do mesmo dia, o navio saiu do porto as pressas e com pouco combustível, o que levou o comandante Brauer a optar por navegar só até cidade de Lobito, na costa da atual Angola, que nada tinha a ver com o conflito. Ali, ele  esperava abastecer o navio e seguir viagem para a Alemanha. Mas, no precário porto angolano, o Windhuk teve que esperar dois longos meses até conseguir pouco mais de combustível para poder voltar ao mar. Confinados no navio, os tripulantes do Windhuk, inocentes garçons, camareiros, engenheiros e marinheiro todos civis em nada envolvidos com a guerra, não faziam a menor ideia do que se passava na distante Europa. Tampouco o que o destino lhes reservaria dali diante. Só restava esperar e torcer para que o navio conseguisse, finalmente, partir.

Cinco deles não suportaram a angústia da espera e traçaram um plano para voltar para casa por conta própria, com um dos barcos salva-vidas do navio. Certa noite, colocaram o bote na água e partiram a remo. Dois meses e meio depois e após receberem a ajuda de um navio português que lhe forneceu mantimentos no meio do caminho, o grupo foi dar numa praia das distantes Ilhas Canárias, num feito e tanto. Já o comandante do Windhuk tinha outras preocupações além da fuga de tripulantes e da carência de suprimentos, inclusive comida para tanta gente a bordo, durante tanto tempo: ele não sabia como driblar os navios ingleses que já patrulhavam trechos da costa africana.

No início de novembro, depois de conseguir um pouco de combustível surgiu uma brecha na patrulha dos ingleses. O Windhuk, então, partiu mais escondido que da primeira vez, juntamente com outro navio alemão , o Adolf Woermann, que também aguardava uma chance de escapar do cerco dos ingleses aquartelado naquele porto angolano. A bordo, não havia comida suficiente para toda a tripulação na longa viagem que o Windhuk faria ( uma ironia num navio famoso justamente por sua gastronomia), nem tampouco era garantido que o combustível desse para chegar a Alemanha

Mesmo assim, o comandante Brauer mandou soltar as amarras, apagar todas as luzes do navio e ganhou o mar, seguido pelo Adolf Woermann, que, no entanto, não foi longe. Descoberto pelos ingleses, ele foi atacado e afundado logo após sair de Angola. Já o Windhuk seguiu em frente. Mas nem o seu comandante sabia exatamente para onde. Importante era escapar do cerco.

No afã de driblar os ingleses, o Windhuk navegou em linha reta Atlântico adentro, saindo da rota natural para a Europa e alongando a distância até a Alemanha um grande problema frente a questão do combustível. Seria, portanto, necessário parar em outro porto, para reabastecer. Mas, qual, se os ingleses patrulhavam praticamente toda a costa africana? Foi quando Brauer teve a ideia de seguir em frente, cruzar todo o oceano e buscar recursos em algum país sul-americano, todos ainda neutros na guerra.

A fim de evitar as rotas mais usadas pelos navios, o comandante do Windhuk decidiu navegar bem mais ao sul do que o habitual. E quase foi parar nas ilhas Malvinas. O acréscimo extra no percurso tornou o nível do combustível ainda mais crítico. Para economizar, o Windhuk passou a se arrastar no mar, a míseros seis nós de velocidade, quando tinha capacidade de navegar três vezes mais rápido do que isso, em velocidade de cruzeiro. Além disso, para escapar o mais rápido possível da crítica área da costa africana, ele chegou a navegar a 22 nós de velocidade, o que sugou sobre-maneira os seus tanques.

A bordo do Windhuk, a situação dos tripulantes era angustiante. Eles não tinham comida, nem destino fixo, tampouco sabiam se o combustível daria para chegar a algum porto seguro. Gastavam os dias vendo o mar passar, lentamente, sob o casco, sem saber para onde estavam indo. Nem o comandante Brauer arriscava um palpite mais certeiro sobre para qual porto seguir. Sem muita convicção, acabou optando por rumar para Baia Blanca, na costa da Argentina. Mas, para complicar ainda mais as coisas, foi informado dos ataques que o couraçado alemão Graf Spee vinha sofrendo na região e resolveu evitá-la. Foi quando o porto de Santos, na costa brasileira, surgiu como a melhor opção.

O Brasil ainda não havia entrado na guerra e, portanto, era seguro para um navio alemão. Ainda assim, Brauer tomou uma precaução: mandou camuflar o Windhuk com outro nome, outra bandeira e até outra cor no casco, que deixou de ser cinza e virou preto. A pintura, feita com latas de tinta que restavam no porão, aconteceu em pleno mar, durante a própria navegação e foi uma arriscada epopeia que durou vários dias. Os marinheiros ficavam dependurados sobre a água, com o navio em movimento. Quem caísse estaria perdido, porque o comandante avisara que não haveria como manobrar navio. Por sorte, ninguém caiu.

O novo nome e a nova "nacionalidade" do Windhuk foi escolhida ao acaso. Como havia alguns asiáticos trabalhando na lavanderia do navio, Brauer optou pelo nome de um navio japonês que costumava visitar o porto para o qual estavam indo, o Santos Maru, e mandou que os tripulantes orientais escrevessem num pedaço de papel, para ser copiado a confecção de uma bandeira, algo fácil no caso da japonesa, que se resume uma bola vermelha sobre fundo branco. E assim foi feito. Só que os tripulantes eram chineses, não japoneses, e o novo nome do Windhuk acabou escrita com caracteres errados.

Mas ninguém percebeu o erro. Nem mesmo os práticos do porto de Santos, que, ao verem o navio chegando, estranharam apenas o fato de o verdadeiro Santos Maru ter voltado tão rápido, já que havia partido dali dia antes. E, ainda por cima, voltou com duas chaminés em vez de apenas um A confusão foi esclarecida, entre risos e tapinhas nas costas, assim que o funcionários do porto subiram a bordo e deram de cara com uma tripulação de alemães de olhos azuis e não japoneses de olhos puxados. Como o Brasil ainda não tinha se posicionado na guerra, nada aconteceu com eles. Apena o navio ficou retido, como era praxe nos tempos de guerra. Era o dia 7 de dezembro de 1939 data que, até hoje, é comemorada pelos descendente daqueles mais de 200 alemães, que nunca mais quiseram sair do Brasil.

Para os 244 tripulantes do Windhuk, a nova e tranquila vida em Santos passou a ser uma espécie de recompensa pelas privações e temores que passaram durante aquela longa e tensa viagem. Eles ganharam a liberdade de fazer o que bem quisessem, desde que não saíssem do munícipio. Inclusive deixar o navio e ir morar na cidade. Alguns começaram a namorar garotas locais. Outros se casaram, como os tripulantes Hildegard e August Braak cuja cerimônia aconteceu no próprio navio e com a presença até do prefeito.

Para os moradores de Santos, aquele grupo de alemães boas-praças na tinha a ver com as notícias ruins que chegavam da Europa. E não tinham mesmo, porque não passavam de pacíficos marinheiros transformados vítimas indiretas da guerra. Eles ficaram na cidade por mais de dois anos, em total harmonia com os brasileiros.

A situação só começou a mudar em janeiro de 1942. quando, em resposta ao afundamento de navios brasileiros na costa do Nordeste, o Brasil decretou guerra aos países do Eixo. Imediatamente, todos os tripulantes do Windbuk foram presos, na mesma cidade onde já se sentiam em casa. Contribuiu também para isso o gesto patriótico de alguns deles, a começar pelo comandante Brauer, de sabotar o próprio navio no porto de Santos. Quando ficaram sabendo que o Windhuk seria confiscado e vendido aos americanos, então já em guerra contra a Alemanha, cles levaram sacos de areia, pedra e cimento para dentro do navio e atiraram dentro de seu maquinário, que ficou inutilizado, O objetivo era que o Windhuk não pudesse mais navegar e assim não saisse do Brasil. Mas não foi o que aconteceu.


Rebocado, o navio acabou sendo levado para os Estados Unidos, onde foi recuperado e convertido em navio de combate. Já o destino dos seus tripulantes foi ainda mais improvável. Depois de passarem uma temporada na Casa de Detenção de Imigrantes, em São Paulo (eles eram tão numerosos que não cabiam na pequena cadeia de Santos), acabaram se transformando nos primeiros ocupantes dos campos de concentração em território brasileiro, aqui chamados de "campos de internação", para onde, depois, também foram levados italianos e japoneses.

A bordo de um trem lacrado e com a patética escolta de soldados fortemente armados, os pacatos tripulantes alemães foram divididos em grupos e mandados para cinco destes campos, todos no interior do estado de São Paulo: Bauru, Ribeirão Preto, Pirassununga, Guaratinguetá e Pindamonhangaba, este o maior do gênero no país. Neles, no entanto, a despeito do trabalho por vezes forçado, seguiram gozando quase a mesma liberdade de antes, já que não representavam perigo algum ao país.

No campo de concentração de Pindamonhangaba, em clima de total camaradagem com os guardas, os marinheiros alemães receberam autorização para construir suas próprias casas, criaram galinhas, ordenharam vacas, jogavam futebol contra times que vinham de fora, assavam pães para vender aos visitantes até saiam para fazer compras na cidade ocasião em que chegavam a dividir rodadas de cerveja com os próprios guardas que os vigiavam. Também os músicos da orquestra do navio eram frequentemente convidados para tocar em festas na cidade, e os cozinheiros do Windhuk passaram a preparar jantares sofisticados para os oficiais do próprio campo. De presidiários, eles nada tinham.

Na maior parte do tempo, a vida era tão agradável nos campos de internação que o mesmo casal Hildegard e August, que havia se casado quando Windhak estava atracado no porto de Santos, resolveu ter um filho ali mesmo. Nasceu assim Carl Beraak, o único brasileiro que veio ao mundo dentro de um campo de concentração. Hoje, ele é o principal convidado nos encontros anuais que os descendentes dos tripulantes do Windhuk, já que todos já morreram, organizam em um restaurante de São Paulo, que não por acaso leva o mesmo nome do navio, sempre no dia 7 de dezembro, data que ele chegou ao Brasil. O último tripulante morreu em 2015.


Nos campos de internação, onde viveram por mais de três anos, os marinheiros do Windhuk se habituaram ainda mais com a vida no país, Quando a guerrа terminou, em 1945, o governo brasileiro, sem saber o que fazer com aquele incomodo grupo, deu a eles duas opções: voltar para a Alemanha, arrasada pela guerra, ou ficar de vez no Brasil, com direito a cidadania. Praticamente todos escolheram a segunda opção. Apesar do sotaque carregado, já eram brasileiros de coração.

Em seguida, eles se espalharam por cidades de São Paulo, Santa Catarina Minas Gerais e Rio de Janeiro, e foram trabalhar em diversas áreas. Um deles. chegou a vice-presidência da Coca-Cola no Brasil. Já Hildegard, mãe de Carl tornou-se uma das maiores especialistas do país em ortóptica, uma área da oftalmologia que trata de desvios oculares. Muitos, porém, preferiram subir a serra que brotava aos pés do campo de internação de Pindamonhangaba e foram trabalhar, como cozinheiros, no recém-criado Grande Hotel de Campos do Jordão, cidade que, até então, era apenas um centro de tratamento para tuberculosos.


Com a experiência culinária que tinham do navio, os alemães do Windhuk transformaram aquele hotel em um centro de excelência gastronómica e foram praticamente os responsáveis por implantar as bases do que viria a ser a estância turística de Campos do Jordão nos dias de hoje. Outro tripulante, porém, prefe riu abrir um bar em São Paulo, batizá-lo com o nome do navio, e passar a reunir os antigos companheiros para relembrar as histórias do passado o precursor do restaurante Windhuk, onde os seus descendentes se encontram até hoje.


Já o navio deixou de existir há muito tempo. Depois de servir nas guerras do Vietna e da Coreia, sob bandeira americana e com o nome USS Le Jeune, o ex-Windhuk acabou seus dias num ferro-velho asiático. Mas o seu sino foi preservado e ainda toca, todos os dias, em um quartel de treinamento do exército americano, na Califórnia, onde, no entanto, quase ninguém sabe que o navio de onde ele veio acabou decidindo o improvável destino de mais de 200 alemães, durante a guerra.


Pois é amigos da Pirataria . A estória foi longa , mas eu achei interessante como "local " dos fatos descritos. Quanto ao Livro do Jorge de Souza , não sou crítico literário muito menos "influencers" , mas gostei e recomendo a todos os "nautas",

Caro leitor , se chegou até aqui agradeço ...

Forte abraço do Pirata Alado ( versão "culturally ligth " )