Pirata...e a Carta ao Pelé
Triste resolvi deitar letras sobre recordações que em função
dos últimos acontecimentos no Brasil , me entristeceram.
Me reportei ao ano de 1968 , quando então vivendo o décimo
quinto ano da minha existência no auge de uma adolescência livre de “propalados”
autoritarismos realizados por um digno governo encabeçados por cidadãos patrióticos
que exerciam as suas funções honestamente dirigindo um país democrata e
capitalista conhecido internacionalmente como “ Milagre Brasileiro “.
Naquela época , eu era um jovem estudioso que amava futebol
, incentivado por uma orgulhosa Seleção Bicampeã do mundo , que encantava pelas
habilidades de um cidadão conhecido como Pelé. A fama deste cidadão extrapolava
as fronteiras do país que se encantavam com este original produto humano
brasileiro . Um homem negro , de origem pobre , esforçado, honesto que havia prestado
“patrioticamente “ o serviço militar obrigatório (independente da sua fama )
sem sofrer qualquer tipo de preconceito . Este homem havia se tornado um
exemplo daquilo que o jovem adolescente que eu era ... queria me tornar : Realizado
profissionalmente , honesto , respeitado e principalmente ... livre e feliz ! (
eu só não tinha a habilidade deste cidadão ).
Em 1968 eu cursava o 3° ano do ginásio ( período escolar de
4 anos na época equivalente aos 4 anos finais do ensino básico de hoje em dia).
no Instituto de Educação Fernão Dias Paes (colégio estadual de São Paulo localizado na
Rua Pedroso de Morais próximo a antiga rua Iguatemi hoje , Avenida Faria Lima
).
Em novembro de 1966 foi inaugurado primeiro Shopping Center
do Brasil com o nome da rua em que
estava localizado o Shopping Iguatemi . Esta novidade chamava atenção de todos
, inclusive do jovem adolescente que amava os Beatles e os Roling Stones , que
ofereciam suas músicas em discos de vinil vendidos numa loja chamada “Hi-Fi “
instalada nesta novidade Shopping Iguatemi perto do meu colégio . Nada mais
justo que eu aproveitasse a novidade ao meu alcance para ouvir Beatles de
Rolling Stones nas cabines da loja Hi-Fi , antes de adquirir os disquinhos
pretos oferecidos. Para tal , em 1968 , eu tinha que escolher entre , ir a aula
... ou ir ao Shopping (algumas muitas vezes).
Concorrendo com o Shopping, as quartas feiras da semana , eu tinha que decidir entre ele , ... e o
cidadão Pelé que costumava fazer suas apresentações no Estádio do Pacaembu ou
no Parque Antártica (também próximos ao meu Colégio Fernão ). Preferi
privilegiar a atividade esportiva em contrapartida a atividade musical às quartas
feiras. A atividade estudantil ficou em segundo plano. Eu adorava ver o malabarismo
do artista Pelé , desmoralizando times da época como Corinthians no “barranco”
do Pacaembu , assim como o Palmeiras , nas “gerais” do Parque Antártica,
Naturalmente me tornei torcedor do Santos FC , sem nunca ter ido à cidade de
Santos .
Meus pais sempre me deram muita liberdade . Eu era um bom
aluno com notas boas , portanto desfrutava da confiança total , o que não
exigia preocupação por parte deles comigo. Isso não foi bom. Acho que me excedi
na dose de privilegiar as minhas atividades musicais e esportivas em detrimento
das educativas , sem a aprovação dos meus confiantes pais ( me penitencio por
isso ).
O resultado de toda essa situação . ao final daquele ano foi
a seguinte : Fui impedido de fazer as provas finais por excesso de faltas as
aulas , com consequente reprovação no 3° ano ginasial para total decepção dos
meus “confiantes” pais. Assim era feita a justiça estudantil num colégio
estadual de São Paulo na época da democracia implantada pelo Regime Militar .
Eles estavam certos. Eu perdi a confiança dos meus pais. Reconheci o meu erro e
lutei para readquirir a confiança perdida dos meus pais. Esse período difícil levou
2 anos .
Deixei de frequentar por prazer Shoppings Centers (só por
necessidade ) . Passei a desfrutar o malabarismo de Pelé pela televisão (ainda
meio novidade da época ) , ou nos finais de semana nas arquibancadas da vida.
Frequentei com assiduidade e interesse os bancos escolares. Faltava a confiança
dos meus pais .
Em 1970 a maior
conquista pessoal (minha e do Pelé).
21 de junho de 1970. Eu assistia a final da Copa do Mundo de
Futebol , numa pequena televisão de 14 polegadas , instalada na garagem da
minha casa junto a 2 amigos meus que haviam perdido o 3° ano ginasial junto comigo
em 1968. Nó três vibramos quando aquele cidadão negro brasileiro ex reservista
do Exército deslumbrou o mundo fazendo a sua mágica trazendo os holofotes do
mundo para um país que se desenvolvia 10% ao ano e era respeitado por todos (além
de adquirir permanentemente a Taça Jules Rimet ). O país era dirigido por
governantes militares , onde pessoas honestas , viviam livres e felizes. Já
ladrões e mal feitores eram presos ou fugiam do Brasil para países de
liberdades questionáveis .
Naquele 21 de junho , ao final do Jogo Brasil 4 X Itália 1,
eu e meus dois amigos fomos para a Rua Augusta (famosa rua de concentração de
jovens em São Paulo ). Na Augusta encontramos a rua lotada de carros
completamente engarrafados sem a menor possibilidade de se movimentarem . A
multidão , impossibilitada de se locomover , assim como os motoristas ,
decidiram por unanimidade , caminharem ,
por cima dos carros ( por incrível que
possa parecer ). Todos estavam alegres , felizes e livres. Não houve nenhum
TIRO . Não houve nenhuma prisão ou confronto. Todos se abraçavam . Quando o relógio
determinou que seria “meia noite “ ... eu , e meus dois amigos brindamos com a
cerveja Antártica que portávamos. Eu estáva completando 16 anos de existência
naquele 22 de junho de 1970 . Meus
amigos começaram a cantar parabéns a você ... e foram acompanhados por grande
parte da multidão da Augusta ... que interromperam a cantoria da música “Pra
frente Brasil “ entoada por todos.
Foi um dia de aniversário inesquecível ... para mim.( graças
ao Pelé ).
1970 chegou ao fim. Em dezembro me deparo com uma notícia no
principal jornal paulista “ O ESTADO DE SÃO PAULO “ . Numa das páginas internas
o título mostrava : “ Lista de Aprovados no Concurso para o Colégio Naval “.
Comecei a ler o artigo . Era uma lista de nomes que estavam
em ordem alfabética . Quando busquei a letra “J” havia vários Josés . Eu era um
deles !!! Sorri ...chorei... meu coração disparou . Corri para casa com o jornal
. Mostrei ao meu pai , que nada disse ... só chorou (foi a primeira vez que o vi chorar ). Peguei uma
pequena maleta e coloquei algumas roupas . Embarquei num ônibus e fui para Pilar
do Sul (interior de São Paulo) me isolar num sítio que meu pai e eu estávamos reconstruindo. Eu havia reconquistado
a confiança dos meus pais.
Fiquei sabendo que meus dois amigos de infortúnio de reprovação em
1968 , que haviam feito concurso comigo , seguindo meus conselhos quanto a mudança de nossas
prioridades. não foram aprovados em 1970. Um deles tentou outra vez em 1971 e
foi aprovado fazendo carreira na Marinha. Hoje já nos deixou precocemente por
problemas de saúde . Ele havia tomado um tiro na barriga antes de entrar para a
Marinha, consequência de uma disputa romântica com um soldado da Força Publica
de São Paulo em 1969. O outro amigo , não prestou novo concurso para a Marinha
e nem para nenhuma outra atividade profissional . Preferiu ganhar a vida com a “lúdica”
atividade que progredia na época traficando
e distribuindo “ Marijuana”. Acabou exagerando na dose de outra novidade , “ o
pó de cocaína “ , e acabou morrendo de over dose .
Pelé
Obrigado por ter sido o cidadão brasileiro que ofereceu
o seu exemplo de vencedor , atleta patriota
, honesto, humilde , independente de raça, cor e opção sexual ou religiosa , de
qualquer nacionalidade ... sem nunca abandonar os seus princípios pessoais...respeitando
a todos.... , à um adolescente que andou perdendo o rumo em 1968.
Obrigado Pelé
Assinado
Pirata Alado