Pirata ... e a Declaração de Operação Militar

Amigos da Pirataria Alada ....  Olá

Em tempos de comemoração da marca de 10 anos e 20 mil acessos atingidos por este Blog (segundo a estatística disponibilizada a este blogueiro amador "Pirata Alado", pelo Google) resolvi transcrever um artigo , do meu amigo CMG Barreira, publicado na respeitada e centenária publicação da Marinha a RMB (Revista Marítima Brasileira) no seu Volume 142 numero 01/03 na coluna  "O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL". 

Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia

Aqui nascem , crescem , aprendem a voar , são treinados e batem asas todos TOP GUNs Brasileiros. que pertencem a FORÇA AERONAVAL da MARINHA do BRASIL

Assim contou a RMB :

 Declaração de “OPERAÇÃO MILITAR”*

 

Em 1981 ocorreu em águas nordestinas uma Grande Operação Militar , classificada como UNITAS XXII. Esta Operação envolveu 11 navios da US Navy ( Marinha Norte Americana) , 2 navios da Marinha da Venezuela e 13 navios da Marinha do Brasil. Era uma Operação de grande proporção, dada a situação geoestratégica e política da época de “Guerra Fria” entre Estados Unidos e União Soviética.

 

O Grupo Tarefa brasileiro foi composto de vários tipos de navios e aeronaves , incluindo o nosso bravo e saudoso NAeL Minas Gerais e 3 das mais modernas Fragatas dos anos 80, a F40 Niterói , F42 Constituição e F44 Independência , equipadas com suas “ novíssimas “ aeronaves SAH-11 Lynx.

 

Os SAH-11 Lynx , na época , eram uma grande novidade bélica operadas somente por britânicos ( fabricantes) e brasileiros ( aliados corajosos) que aceitaram desenvolver um projeto revolucionário que reunia grande capacidade bélica , grande potência de motores compactos e grande velocidade/agilidade de manobras no campo de batalha. No entanto , como todo projeto revolucionário , exigia muitas horas de testes em voo para que adquiríssemos experiência de manutenção. Alguns problemas ocorreram acarretando algumas emergências de perda de motor , que acabaram sendo corrigidos anos depois , mas em 1981 o problema era , no mínimo , preocupante para nós , pilotos de Lynx. 

Eu , completava um ano no 1° Esquadrão de Helicópteros de Ataque Anti Submarino (HA-1), no Departamento de Manutenção. Meu amigo Russo ( CT Postarek)** era o meu guia neste início de carreira como Aviador Naval. Fazíamos muitos voos de manutenção testando nossos Lynx problemáticos daquele período. Não estávamos embarcados na UNITAS XXII , exatamente para garantir uma retaguarda da importante Operação que se desenvolvia em águas nordestinas, quando fomos chamados pelo Comandante do Esquadrão a câmara.

 “Postarek e Barreira, preparem a melhor aeronave que vocês tiverem aí na manutenção e amanhã, no nascer do sol decolem para Salvador. Uma de nossas aeronaves na UNITAS , acaba de pousar em emergência numa praça da cidade com forte vibração não identificada .

A missão de vocês será : pousar no navio ao qual a aeronave estava embarcada , entregar a aeronave para o DAE (destacamento aéreo embarcado ) , para que a Fragata continue a UNITAS completa. Depois que eles suspenderem , descubram o que aconteceu com a aeronave pousada na praça, resolvam o problema e tragam ela de volta !”

 Eu fiquei pasmo enquanto o Russo , mais antigo, disse ao Comandante Chrockatt*** :

“Temos um problema , não sou “COA” (Comandante Operativo da Aeronave) da aeronave , portanto não podemos fazer este deslocamento para Salvador”

O Comandante Chrockatt, recém assumido o Esquadrão proveniente, da CNBE (Comissão Naval do Brasil na Europa) em Londres, disse sem preâmbulos:

 “ Eu o declaro COA , Tenente Postarek ! Cumpram essa “IMPORTANTE” missão . Tenham um bom voo”.

Nada mais foi dito, saímos e fomos nos preparar para a IMPORTANTE missão.

 Ao nascer do sol ... o sol não nasceu. Chovia muito em São Pedro da Aldeia. A visibilidade estava abaixo dos limites para decolagem IFR em SBES (aeródromo da BAeNSPA****). Mesmo assim guarnecemos a aeronave no pátio para decolagem . O Russo nos comandos e eu de copiloto, na esperança de melhora do tempo. A meteorologia havia me indicado que aquela capa de nuvens se estendia até Campos dos Goitacazes e depois o tempo estava aberto. No “briefing” discutimos o assunto e avaliamos a situação , mas dependíamos de autorização da Torre de “Aldeia”*****, para decolarmos. Com nosso plano de voo aprovado chamei a Torre :

 “Aldeia ... Lynx 22...com plano aprovado solicito acionamento “.

 “Lynx 22... Aldeia ...fechado ... abaixo dos mínimos ... acionamento NÃO autorizado.”

 Nos entreolhamos decepcionados.

 “ Barreirão... topa declararmos OPERAÇÃO MILITAR ? .... perguntou o Russo”

 “TOPO” ... respondi imediatamente.

 “ Aldeia .... Lynx 22.... declara OPERAÇÂO MILITAR ...referência OPERAÇÃO UNITAS XXII. ...Disse o Russo com autoridade na fonia.

 Instalou-se um silencio sepulcral na fonia. Depois de alguns segundos que pareceram intermináveis a Torre se manifestou:

 “ Lynx 22 ... Aldeia .... vento de 060 com 25 nós... visibilidade abaixo dos mínimos .... decolagem por conta e risco do comandante da aeronave ... confirme nome do Comandante ... isto está sendo gravado “.

 " Aldeia ... Lynx 22....Capitão Tenente Postarek , comandante do Lynx 3022 .... ciente ... acionando.“.... foi a seca resposta do Russo.

 Cumprimos o “ Check List ” , acionamos motores e rotores e chamei Aldeia.

 “ Aldeia... Lynx 22 ... decolando”.

 “Lynx 22 ... Aldeia ....vento de 060 com 25 nós.... acuse quando estabilizado .... BOM VOO ... COMANDANTE !”.

 “Obrigado Aldeia “

 Alguns minutos depois reportei para a Torre , enquanto o Russo se concentrava no voo :

 “ Aldeia ....Lynx 22... estabilizado 6000 pés , .... em condições IFR... velocidade 120 nós ...estima Vitoria mais 1 hora e 45 minutos... transfere Macaé... “

 “Lynx 22 ... aldeia ciente ... tenho você no radar...boa missão”

 Depois disso, tudo correu tranquilo. Ao sobrevoarmos Campos dos Goitacazes , o céu abriu. Pousamos para abastecimento em Vitória e Caravelas até pousarmos na Fragata Niterói, atracada no porto de Salvador e passarmos a aeronave para o DAE a bordo, depois de 7 horas de voo.

 A UNITAS XXII já estava desatracando os vários navios, atracados em vários portos nordestinos , que faziam parte da Operação Militar Importante , enquanto o Russo, eu e o fiel ****** nos preparávamos para ir para a Praça Dendezeiros de Salvador encontrar o “Lynx ferido”.          Praça Dendezeiros 👇

 Já anoitecia na Praça Dendezeiros. O 3027 estava isolado e guardado pela Polícia. Inspecionamos e fizemos um “giro no solo”. Tudo parecia funcionando. Fomos para o hotel planejarmos como faríamos o “resgate” para uma área segura para testes e reparo da “possível “ pane.          

 

 No dia seguinte iniciamos os trabalhos. Giramos no solo. Executamos um “pairado” a baixa altitude por 10 minutos para deleite dos transeuntes da Praça. Pedimos para a polícia isolar uma área de decolagem.... decolamos na direção do mar e voamos sobre ele até pousarmos em segurança na Base Aérea da FAB em SBSV, aeroporto soteropolitano.

 Durante uma semana voamos todos os dias cumprindo 6 horas de voo por dia testando todos os equipamentos da aeronave, mecânicos , hidráulicos e eletro/eletrônicos, buscando a origem da pane . Nada encontramos. O Lynx 27 não apresentou nenhum problema. Estimamos que poderia ter sido uma interferência eletromagnética no nosso estabilizador proveniente de várias antenas de Salvador , ou de uma das antenas do Grupo Tarefa da US Navy ou Marinha da Venezuela (vai saber...). No final da tarde ligamos para o Comandante Chrockatt e expusemos a situação.

“ Se vocês tem confiança na aeronave , podem regressar agora para a Base “ ....Ele foi simples e direto.

 Pegamos nossa bagagem no Hotel de Trânsito. Dispensamos o “Acarajé “ que comeríamos naquela noite , fizemos o plano de voo e decolamos “instrumento noturno “ para Caravelas.

O Aeródromo de Caravelas (SBCV), com suas grandes pistas em X , próximo ao litoral Sul da Bahia, entre nada e coisa nenhuma na época, foi construído pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, como ponto de abastecimento estratégico para o esforço de Patrulha aérea do Atlântico , contra submarinos alemães.

Foi um agradável voo noturno sobre o mar iluminado pela radiante lua com céu estrelado. O Lynx 27 se comportando como um verdadeiro Lince sem surpresas até chegarmos em Caravelas. La como é mundialmente conhecido pelos aviadores , “reside” um CB (nuvem Cumulus Nimbos) terror da aviação, e ele estava em casa. Quando fomos obrigados a entrar no CB cumprindo o procedimento de aproximação IFR (regras de voo instrumento) aí sim o Lince começou a trepidar. O Russo segurava o “bicho” como um “domador de feras” experiente. Eu de olhos esbugalhados por trás da viseira do capacete , consegui ver as luzes da pista em meio a uma fresta do CB , e disse ao Russo pela fonia.:

“ To vendo a Pista”

 “ Onde ?” .... ele perguntou . “ Ali”.... apontei respondendo.

 “ Estou entrando em AUTO-ROTAÇÂO********. ...Fica de olhos nos instrumentos , me canta rotação e altitude! “ .... ele determinou com firmeza ...e transmitiu para a rádio de Caravelas :

 “ Radio Caravelas .... Marinha 3027... com pista no visual ... na final para pouso !”

 Pousamos com segurança. O “domador de feras” dominou mais uma.

 

Fomos recepcionados pelo Suboficial da FAB encarregado do Aeroporto sob sua responsabilidade. Ele nos ofereceu a única Kombi da FAB que havia , para que fossemos para a cidade distante uns 10 Kms do aeroporto numa estrada de terra ( agora de barro em função do temporal que havia se abatido), para o pernoite no único hotel disponível da cidade. Aceitamos e depois de fecharmos o Lince , nos dirigimos para a Kombi com as cores da FAB , sem bateria , sem freio e sem motorista disponível. Por incrível que possa parecer , o trio do HA-1 conseguiu fazer Kombi pegar no tranco (e na lama) com ajuda do Comandante do Aeródromo de Caravelas , da FAB. Finalmente chegamos ao Hotel de Caravelas , naquela época, com divisória entre quartos muito finas de compensado e um único banheiro coletivo que, para acessá-lo, tínhamos que cruzar a Recepção do Hotel. Essa noite foi “histórica” e merece um livro. Como foge ao escopo desta publicação , prefiro deixar para uma próxima oportunidade.

 No dia seguinte , decolamos com tempo bom e chegamos a São Pedro da Aldeia sem novas surpresas. Nos apresentamos ao Comandante Chrockatt:

 “Missão cumprida “ .... disse o Russo.

 “ Bom trabalho... a OPERAÇÂO MILITAR está sendo cumprida de acordo com os interesses do Brasil”.

Fomos para o CPC ( Casa da Praia Clube) na Vila de Oficiais da Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia bridar mais uma missão IMPORTATE cumprida.

O Almires******* , eterno encarregado do bar do CPC, testemunhou quando ergui minha caneca de Lince e propus um brinde:

“Ao COA Russo...ao HA-1 , a Força Aeronaval e a Marinha do Brasil .... saúde ....Tim ... Tim “

 

Roda pé de página

 *OPERAÇÂO MILITAR : Declaração prevista na legislação de “tráfego aéreo “da época , que quando “declarada” pelo Comandante de uma aeronave militar, eximia o controlador e todos os órgãos de controle oficiais , da RESPONSABILIDADE de qualquer danos causados por acidente da aeronave.

 O militar , comandante da aeronave , assumia toda responsabilidade de cunho jurídico, indenizatório e de carreira por qualquer dano causado a terceiros por sua decisão individual.

 Para executar esta “declaração” , o militar tem que ter absoluta certeza dos riscos que está assumindo em contrapartida aos interesses que estão envolvidos . Era uma decisão muito corajosa e difícil de ser tomada com rapidez. Daí a “raridade” de ocorrências desse tipo, historicamente.

 ** CMG (Ref.) Mario Cezar Postarek

 *** CMG (Ref.) Herbert de Sá Jacobs Chrockatt (já falecido)

 ****Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia

 *****termo de chamada na fonia , da Torre de SBES

 ******termo usado para classificar a praça mecânico que acompanha a aeronave , fazendo parte da tripulação, (infelizmente a memória me impediu de lembrar o nome deste importante personagem , na história)

*******Funcionário civil encarregado “histórico “ do bar do CPC , hoje pai de 2 oficiais das Forças Armadas

********Procedimento para descida rápida com motores desacoplados dos rotores , normalmente utilizada em emergência de mal funcionamento de motores..   

Homenagem a Confraria de todos os TOP GUNs da Marinha do Brasil

Abaixo alguns Veteranos Top Guns , que representam todos aqueles que emprestam as suas competências para um Brasil forte , respeitado em todos os mares do planeta

OBS : outras fotos serão acrescentadas a esta galeria a medida que eu as receber, portanto aguardo contribuições (de grupos veteranos , preferencialmente)

Vídeo sobre a Marinha do Brasil

  https://youtu.be/C_5zgv1FsgY

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