Em 1984 , como jovem capitão tenente já COA (comandante operativo da aeronave) de um Lynx SAH 11 do Primeiro Esquadrão de helicópteros de Esclarecimento e Ataque (HA-1) , navegava pela costa do Maranhão , a bordo da Fragata Constituição sob o comando do , então CMG Dumont. Acompanhada do CT Marcilio Dias , compúnhamos um GT brasileiro que faria parte de um exercício VENBRAS , junto a Marinha Venezuelana . Nos momentos de folga entre as atividades de preparação do DAE( Destacamento Aereo Embarcado) , composto pelo CT Wilson Rocha (meu amigo , mais antigo e chefe do DAE) e as praças de manutenção, me dediquei a leitura sobre o nosso primeiro Almirante brasileiro , o Lorde Cochrane.
Nesse momento de laser instrutivo,
comecei a me identificar com algumas das características do nosso polêmico
“lobo dos mares”, como alguns autores se referiam ao nosso Lorde marinheiro em
questão.
Herói ou vilão? Essa era a questão
que me vinha a mente a todo momento , enquanto progredia a minha leitura. Entre
o turbilhão de episódios e títulos que acompanharam a vida daquele nauta, o título
de “marques do Maranhão” me chamava atenção pela coincidência de estar naquele
momento cruzando águas maranhense. Outra característica que marcou a vida de
Cochrane foi sua associação as atividades de “pirata” ou “ corsário” atribuídas
por vários historiadores. Sendo bom , ou mau , fato é que essas características
sempre povoaram o imaginário de qualquer nauta, assim como eu , naquele momento
incorporando a atividade profissional de um “nauta alado” em direção ao Mar do
Caribe , famosa área de operação da “pirataria internacional”.
Atracamos em La Guaira, porto
principal da Venezuela , sede da Marinha Venezuelana, onde encontramos os
navios daquela Armada que formariam os GTs que participariam da Operação
VENBRAS. Fomos ao Briefing da missão e soubemos que seria um exercício simples
que visava apenas a cooperação entre nossas Forças buscando estreitar laços de
amizade e cooperação mútua . Nosso Lynx a bordo da Constituição faria voos de
esclarecimento em busca de uma fragata Venezuelana , acompanhada pelo nosso
Marcilio Dias e caso os identificassem transmitiríamos a posição para um
engajamento tipicamente naval entre os navios envolvidos.
Fiquei emocionado quando recebi a
informação de que a área onde o exercício se desenvolveria incluía a “Isla la
Tortuga”,famoso porto de reunião de piratas caribenhos. Eu estaria voando em
busca de um inimigo fictício (pirata , ou não) para mostrar a superioridade da
Marinha de Cochrane , séculos depois .
Os navios envolvidos se fizeram ao mar na área determinada para cada GT, cerca 100NM nordeste de La Guaira , na Região da Bacia La Cochila. Depois de alguns exercícios de passagem de carga leve o “freeplay” começou . Decolei para um plano de esclarecimento durante o dia em condições totalmente visuais . Sem encontrar sinais dos navios inimigos , resolvi tentar a sorte nas proximidades de uma ilha que despontava no horizonte. Os navios poderiam estar utilizando a ilha para com a proximidade estarem camuflando nosso radar de busca. Em 1984, nossos SAH 11, não tinham o modernismo tecnológico dos atuais WILDCATS de hoje. Constatei pela carta náutica (não havia GPS )que estávamos nos aproximando da famosa Isla la Tortuga. Agucei meu principal equipamento de busca , a visão. Busquei uma posição favorável evitando o reflexo dos raios solares na água do mar. Rodeamos toda a ilha e grande decepção: não havia nenhum navio de guerra escondido em suas margens , apenas um pequeno veleiro atracado num barranco. Frustrado resolvi não perder a oportunidade de sobrevoar a famosa , e desértica ilha . Qual não foi a nossa surpresa , minha e do copila Wilson Rocha (chefe do DAE) quando vimos um pequeno monomotor pousado numa área plana perto do veleiro atracado. constatamos que havia uma movimentação de caixas transportadas nos ombros por alguns homens entre o veleiro e o pequeno avião. Percebemos que ao ouvirem o barulho do helicóptero , houve uma desordenada correria dos homens largando as caixas.
“Bode Wilson” e eu nos entreolhamos
e comentei pela fonia :
-“Acho que achamos alguma coisa
irregular na “ilha dos Piratas” e não podemos fazer nada . Somos militares
estrangeiros em terra estrangeira”
O Bode Wilson , como mais antigo e
chefe do DAE decidiu.
-“Fragata Constituição ..Falcão 22
... movimento suspeito entre veleiro e avião de pequeno porte na costa leste da
isla la tortuga” ... solicito informar Marinha Venezuelana.... aguardamos
instruções.”
-“Falcão 22 ...
Constituição...mantenha observação e aguarde instruções”
A correia em terra era grande. Nos
afastamos um pouco procurando sair do alcance de armas leves , como dava a
entender que buscavam os envolvidos em terra. Depois de alguns minutos ouvimos
no radio:
-“Falcão 22 ... Fragata
Constituição....Helicóptero H1H venezuelano se aproximando da
posição...exercício encerrado ....regressar ao navio mãe.”
Sem conhecer detalhes regressamos
e pousamos na Constituição e nos dirigimos ao passadiço. As informações eram
desencontradas. Adotamos a proa de Puerto la Cruz, balneário venezuelano na
costa e terminal de abastecimento marítimo numa refinaria. Algumas horas depois
se juntou a nós uma das fragatas Venezuelanas. Atracou ao nosso contrabordo e o
comandante pediu para reunir os oficiais na Praça Darmas.
Entre brindes , contou o que havia
ocorrido. Agradeceu a participação da Marinha do Brasil na apreensão pela
Marinha da Venezuela de um grande carregamento de cocaína e nos convidou para
comemorarmos o fato e o brilhantismo da Operação VENBRAS 84 num bar de Puerto
la Cruz chamado Guatacarazo. Recomendou que fossemos fardados de “chiquinho”.
Disse que era um hábito “pirata” da região , para impor respeito. Estranhamos ,
mas em nome do bom relacionamento internacional entre Marinhas, aquiescemos.
O comandante venezuelano tinha
razão. No Guatacarazo fomos atendidos com pompa , respeito e muita alegre
cortesia .Foi uma noite inesquecível de verdadeiros piratas do bem....nas
“águas dos Piratas”, o Mar do Caribe.
Todas as vezes que recordo essa
passagem naval me pergunto:
“seria esse o verdadeiro espírito
de “Lorde Cochrane”...o primeiro Almirante da Marinha do Brasil ?
Assim foi publicado....e assim ocorreu.
Meu mais sincero e fraterno abraço ao Bode Wilson assim como a todos Piratas da Confraria organizada pelo Kavica e capitaneada pelo Nosso Pirata Mor Fredinho.
Rapaz, mais um evt Naval inesquecível! Show!!
ResponderExcluirGrandes e queridos Ferraz e Luci
ExcluirÉ um prazer tê-los a bordo deste humilde espaço cultural. Sejam bem vindos.
A confraria de "piratas" é realmente um SHOW de corações e mentes de bem com a vida. São muitas lembranças que jamais se apagam.
O relógio anda...a pele enruga .... mas as lembranças , escritas são eternas.
Obrigado por fazerem parte destas lembranças.
Forte abraço ( cuidado com o gancho da mão esquerda )
👏👍👍👍🤣🤣🤣
ResponderExcluirMuito bem escrito Pirata Alado e amigo Barreira.
Já ri muito…. Retornando ao passado e revivendo aqueles momentos.
Maravilhosa Comissão e de boas recordações.
Acredito que herdamos algo precioso do “Primeiro Pirata Brasileiro” ALMIRANTE LORDE COCHRANE
Parabéns! 🙌
Grande Pirata Bode Wilson personagem alado. Agora sim ... depois de "apanhar" do Sr Google conseguiu chegar ao piratesco espaço literário. Seja bem vindo. Lorde Cochrane vos abençoa no alto de sua sabedoria.
ExcluirNo próximo encontro vou querer um autografo (agora que virou pirata famoso ) kkk
Forte abraço
Grande Pirata Alado! Esta e demais historinhas publicadas aqui nos dá a certeza que nenhuma outra organização ou instituição é mais fértil que a Marinha em nos contar belos "causos". Se for temperada ainda com pitadas de pirataria alada, bem... aí fica imbatível. Abração, Cochrane!
ResponderExcluirCaríssimo e fiel seguidor Pirata Compa.
ExcluirDeste que descobri que a nossa "instituição" foi organizada sob a espada de Cochrane, mesmo já "veteranizado" pelo tempo , assumi a identidade piratesca para trazer a baila os "causos" que fazem parte das nossas vivencias profissionais.
Você faz parte disso.
Bom falar contigo.
Forte abraço (cuidado com o gancho)
Essa e outras histórias nos mostram o quanto é, e foi muito bom participar delas. Memórias inesquecíveis da nossa Navy. Abração Pirata Alado.
ResponderExcluirWilson P.Troianni
Caro Wilson.
ExcluirA única razão deste Blog é eternizar histórias que todos nós vivemos na Navy ou fora dela. Me sinto honrado quando alguém se manifesta favoravelmente por ter sido "tocado" pelas minhas historias.
Obrigado pelo comentário.
Forte Abraço